Primeiro partem pelo Erasmus

Partem sem valises en carton, mas com malas de cabina e malas de porão em transportadoras aéreas low cost ou nas companhias de bandeira, que oferecem mais peso de bagagem a quem voa para o estrangeiro, ao abrigo de programas de intercâmbio tipo Erasmus.

Depois, quando regressam pelas festas mais tradicionais e familiares, como o Natal, já não desembarcam em Santa Apolónia ou em Campanhã. Os jornalistas interessados em fazer reportagens destas ‘viagens da saudade’ têm de ir para outros terminais – já não há comboios especiais dos emigrantes.

Os novos emigrantes vão e vêm de avião e trazem na bagagem de mão um portátil com wi-fi, Skype, músicas e séries televisivas de culto no disco. E, claro, os inevitáveis auscultadores.

E os tróleis, aquelas malas com rodinhas – que teriam feito a felicidade de muitos dos nossos emigrantes de outras épocas, se à data já existissem – são agora de material resistente e leve, até de carbono, para pesarem menos e poderem transportar mais coisas.

Nos tempos difíceis dos anos 60 de século passado, com o país a esgotar-se em várias frentes de guerra em África e a desertificar-se aos saltos para França e para a Alemanha, cantávamos este fado como podíamos e conseguíamos, mas olhávamos para a emigração como uma fonte preciosa de remessas estrangeiras.

Já não é assim. Os que partem já não são só trabalhadores indiferenciados que procuram as obras que aqui deixaram de existir e de lhes dar emprego. São universitários nos últimos anos de curso, jovens licenciados, mestres e doutores que Portugal formou, mas a quem não oferece saídas adequadas à exigente e cara formação que deu.

Esta profunda sangria dos nossos recursos humanos, entre os quais alguns dos mais qualificados, é um duro golpe na nossa assumida vontade em sair da crise e recuperar os nossos equilíbrios perdidos: económico, financeiro, de amor-próprio.

Já só partem os novos. Muitos velhos gostariam também de partir, mas não reúnem condições para tal e ficam esperançados na saudade generosa dos filhos e dos netos. Uma das mais bonitas baladas a cantar a sina da nossa emigração teria hoje uma letra diferente – já não seria ‘ei-los que partem, velhos e novos’ mas sim ‘ei-los que partem, novos e novos’.

Quem poderá proclamar uma política de sucesso enquanto o país continua a exportar os seus filhos mais aptos, que tanta falta nos fazem neste presente e mais ainda no futuro? Este país, como titulam dois conhecidos jornalistas num livro recentemente publicado, ‘não é para jovens’. E – sublinho eu – nesta apagada e vil tristeza em que vivemos, este país não é para jovens nem para velhos.

A não se travar com urgência esta partida dos nossos recursos humanos, todas as gerações de portugueses vão ficar ‘à rasca’ (para utilizar uma expressão que ainda faz escola entre nós) e não haverá perspectivas de qualquer sustentabilidade de qualquer sistema, seja o da Segurança Social, o do Serviço Nacional de Saúde ou o da Escola Pública.

*Presidente da APEMIP, assina esta coluna semanalmente