A praxe é foleira

Estarmos a discutir a praxe em Janeiro é eloquente sobre a aberração que se tornou. A praxe durar o ano inteiro é mais que motivo para a proibir, pois significa que deixou de ser um mero ritual para ser um modo de vida. E este modo de vida está baseado numa estrutura que promove a…

 Sou, como é sabido, a favor da proibição das praxes nas faculdades. Sei, no entanto, que não basta proibir a prática. Depois de proibir, há que manipular democraticamente os espíritos débeis para não organizarem praxes paralelas. Como? Atingindo a juventude no que lhe interessa. Por exemplo, a mim não me apanhavam com aquele traje nem morta. Tinham de me pagar, como ao Messi, uma fortuna para usar saia preta travada até ao joelho, camisa branca, meias pretas e sapatos à velha. E a foleirada de obedecer a ‘ordens’ de tontos que demoram décadas a tirar o curso? É por aqui que vamos conseguir vencer o inimigo de vez.

Esgotar assuntos

Antes de haver redes sociais como o Facebook ou o Twitter a actualidade demorava a digerir. A actualidade, que nunca é suficientemente distante no tempo para ser entendida, passou a ser dissecada até não sobrar nada, sendo necessariamente pouco o que se disseca. Qualquer acontecimento, do mais frívolo ao mais trágico, é comentado profusamente com a ligeireza de quem não está envolvido no assunto. É natural. São as pessoas a falar. É fascinante porque percebemos que as pessoas nas redes sociais falam e não escrevem. É desesperante porque a estupidez à solta nunca foi coisa bonita de se ver. É, sobretudo, assustador porque esgota qualquer tema. Uma excitação é seguida logo depois de outra, o que pode ser saudável. O problema está nos assuntos sérios, tratados com o mesmo tédio. Tanto se fala, tanto se repete, que o assunto acaba quando mal começou. Como um jogo de futebol em que correm em fila atrás da bola (cf. Monty Python), ninguém marca e todos se cansam de correr no mesmo sítio.

Amanhã não sou eu

O exercício de protelar uma tarefa ou uma decisão é interessante de analisar por si só. Um estudo recente confirmou uma possibilidade avançada pelo filósofo britânico Derek Parfit. A nossa atitude relativamente ao nosso eu futuro é parecida com a que temos ao lidar com outras pessoas. Emily Pronin, psicóloga em Princeton, chegou a conclusões semelhantes em 2008: pensamos em nós no futuro na terceira pessoa. As ressonâncias magnéticas mostram que a actividade cerebral vai ao encontro de ideias pensadas sem recurso a exames médicos. A conclusão é engraçada. Falamos de nós daqui a uma década como se fôssemos o Matt Damon ou a Natalie Portman. Alisa Opar, na excelente publicação online Nautilus, sugere que procrastinar pode, então, ser um sintoma de uma má relação com esta pessoa que não somos nós no futuro. Uma espécie de fantasma que não aceita ser nem o que somos no presente nem o que nunca seremos no futuro. É melhor não adiar.

Um rapaz arriscado

Tenho andado na rua distraída, a pensar na minha ingenuidade. A distracção já me levou a responder “Bom dia, como está?” a um homem das obras que me dirigiu um piropo. Dias depois, também a andar pela rua, ouvi um barulho estranho, mas não liguei. Passado um tempo, percebi que era um rapaz a fazer uns estalidos com a boca num grupo de cinco que seguia atrás de mim em silêncio. Os estalidos acompanhavam o som dos meus saltos na calçada. Ao ‘clac’ seguinte parei no meio da rua. Ao meu lado o engraçadinho dos estalidos era apanhado em flagrante. “Passa-se alguma coisa?”, perguntei com naturalidade. O rapazote, alto e desengonçado, parou e mostrou-me o relógio com um mostrador grande. “É o barulho do relógio!”, respondeu, nervoso e com graça. “Mas esse relógio não tem ponteiros”, expliquei, como é próprio das mulheres que não perdem uma oportunidade para ensinar. “Desculpe, desculpe”, e ria. Estudos dizem que só crescerá lá para os 54 anos

Lucrecia Martel em Lisboa

A realizadora argentina Lucrecia Martel esteve em Lisboa no fim-de-semana passado a participar na mostra de cinema intitulada ‘Harvard na Gulbenkian’. No domingo, antes da exibição de La Niña Santa, de 2004, um filme que ainda não tinha tido a oportunidade de ver, Lucrecia Martel fez a apresentação prevenindo logo que não iria desvendar nada da história. A situação, disse, era “mais comum acontecer a uma mulher do que apaixonar-se”. Era um caso de “falta de respeito” que acontecia com frequência. A história seria sobre a reacção de “um ser místico” a uma destas situações de “falta de respeito”. Sem revelar pormenores, Lucrecia Martel resumiu na perfeição o filme que realizou. Que diferença fazem os autores que sabem falar sobre o seu trabalho. La Niña Santa é um grande filme. Infelizmente, a divulgação da mostra de cinema ficou aquém do que seria desejado, com alterações no programa à última hora e uma promoção demasiado tímida na imprensa.