Livro identifica Saramago como ‘iniciador’ dos saneamentos no DN em 1975

O investigador Pedro Marques Gomes, autor do livro “Os Saneamentos Políticos no Diário de Notícias”, disse à Lusa que José Saramago foi o “iniciador” do processo que levou ao afastamento dos jornalistas do matutino, em 1975.

“Passadas quase quatro décadas sobre o ‘Verão Quente’ de 1975, são muitos os jornalistas que descrevem o ambiente então vivido no DN como tenso. É o caso de Manuela Azevedo, que já tinha integrado o Diário de Lisboa e a Vida Mundial, dizendo que o DN sofreu o que nunca tinha sofrido: ‘foi a censura dos comunistas’”, escreve Pedro Matos Gomes na obra “Os Saneamentos Políticos no Diário de Notícias”, que vai ser apresentado na quinta-feira, em Lisboa.

A 15 de Agosto de 1975, o DN avisava os leitores de que tinha tomado conhecimento de um documento elaborado por um grupo de trinta jornalistas, no qual era questionada a orientação do jornal, então dirigido por Luís de Barros e José Saramago.

O autor do livro, investigador do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, explica que, após o 11 de Março de 1975, se assistiu a “uma crescente hegemonia dos sectores afectos ao primeiro-ministro Vasco Gonçalves e ao Partido Comunista Português”, mas que se verificou, igualmente, uma inversão na correlação de forças, que também demonstravam tensões entre os militares.

“Estas cisões, acabam por coincidir com uma vaga de atentados e assaltos a sedes de partidos de esquerda e sindicatos, criando um clima de pré-guerra civil”, escreve Pedro Matos Gomes no livro sobre o processo dos jornalistas, que põe em causa a linha editorial de Barros e Saramago.

“Saramago foi o primeiro motor deste processo, tendo depois evoluído em função dos múltiplos acontecimentos que foram decorrendo e, sobretudo, da tomada de posições de outros trabalhadores”, disse à Lusa Pedro Marques Gomes referindo-se ao papel do escritor, director-adjunto do DN durante o chamado Processo Revolucionário em Curso (PREC).

“Tudo começa com um documento assinado por trinta jornalistas. Saramago analisou criticamente este documento e mostrou uma posição muito dura. A partir daí, o caso vai desenrolar-se em função dos acontecimentos, mas é impossível ignorar esse papel inicial de José Saramago”, disse à Lusa o autor de “Os Saneamentos Políticos no Diário de Notícias”.

Segundo Pedro Marques Gomes houve várias críticas sobre a forma como os plenários no DN foram organizados, nomeadamente quanto à representatividade dos trabalhadores e à forma de votação de braço no ar, “mas é verdade que Saramago foi um interveniente nestes plenários”, sobretudo no segundo em que “analisou criticamente” o documento que criticava a direcção.

“Este é um estudo completamente novo. Parti de estudos feitos pela Revolução. Todos referiam este caso do DN como emblemático, sobretudo nas lutas que se travavam sobre o controlo dos órgãos de comunicação social e pela definição do tipo de regime. Mas esses trabalhos não aprofundavam a temática do DN. Parti desses apontamentos e depois fiz uma investigação de raiz, consultando a imprensa da época, mas sobretudo falando com muitos dos protagonistas”, diz Pedro Matos Gomes.

“Daniel Ricardo, chefe de redacção no Outono de 1975, não se recorda de ter tido conversas com o director sobre o conteúdo das manchetes dos jornais; tinha sim com o director-adjunto, uma vez que, do ‘ponto de vista editorial, ‘o Saramago tinha muito mais intervenção do que o Barros’. Porém não deixa de esclarecer que este último tinha funções que lhe exigiam muito tempo, como ‘questões administrativas, de marketing, questões de pessoal’… José Jorge Letria tem outra opinião bem mais polémica, que se prende com o controlo político do periódico: ‘Eu acho que o verdadeiro director do jornal é o Cunhal’”, cita o historiador.

Segundo Pedro Matos Gomes, os acontecimentos ocorridos a 25 de Novembro não põem fim ao caso, porque os jornalistas continuam a tentar voltar para o jornal, e só em 1976 é que “há novidades” em relação aos jornalistas saneados em Agosto de 75″, e “aos que foram suspensos após o 25 de Novembro”. “Em 1976, os jornalistas podem voltar ao DN ou, se preferirem, receber uma indemnização”.

O historiador afirma também que, além do caso do DN, é preciso analisar outros que contribuíram para uma reflexão sobre o controlo político-ideológico da comunicação social em Portugal.

“O que teve mais impacto talvez seja o caso República mas sem dúvida que o DN e a Rádio Renascença o foram, ao mesmo tempo que também aconteciam situações semelhantes no Século e na RTP”. “Penso que [o caso DN] contribui para uma reflexão sobre o papel da comunicação social pós-revolução”, acrescenta o investigador.

“Os Saneamentos Políticos no Diário de Notícias” (editora Aletheia), vai ser apresentado em Lisboa, na quinta-feira, pela historiadora Irene Flunser Pimentel.

Lusa/SOL