Hospitais da Madeira com falta de material

Lençóis, cobertores, material cirúrgico, seringas, agulhas, pensos, desinfectantes, medicamentos –sobretudo analgésicos e antibióticos-, luvas, pijamas, resguardos, papel higiénico, detergentes, toalhetes, esponjas. É esta a lista de material que recorrentemente falta nos hospitais da Madeira.

O presidente do conselho de administração do Serviço de Saúde da Região (SESARAM), Miguel Ferreira admite o “caos” e culpa as imposições nacionais que determinavam, com base nos compromissos assumidos pelo Região no âmbito do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), ser necessário uma redução de 20 milhões de euros nos encargos com a saúde.

Em Julho de 2013 foi publicado um despacho da Secretaria dos Assuntos Sociais (nº118/2013) determinando que o SESARAM gastasse menos 15% do que tinha gasto em 2012. Em Novembro de 2013 foi publicado um novo despacho a implementar uma série de excepções à regra dos 15% mas não chegou para evitar rupturas de stock.

Os operadores de saúde falam numa situação que deixou de ser cíclica para passar a ser recorrente. “É constantemente”, disse ao SOL o presidente do Sindicato dos Enfermeiros da Madeira, Juan Carvalho.

A alimentação também é racionada. Há falta de material e de pessoal. Não há lençóis limpos para todos os doentes (uns só com lençóis outros só com cobertores), entre outros consumíveis. Até parte da frota de automóvel nova, comprada em leasing, está à espera de revisão periódica por não pagamentos de compromissos financeiros.

Com uma dívida acumulada a rondar os 550 milhões de euros, os fornecedores do SESARAM só disponibilizam bens e serviços com dinheiro à vista. Há concursos que ficam desertos e o SESARAM só dispõe de um orçamento anula de 180 milhões de euros.

O rácio de enfermeiro por doente, quer no Hospital dos Marmeleiros quer no hospital ‘Dr. Nélio Mendonça’ é baixo.

A Madeira tem a mais alta taxa de infecções hospitalares do país. Entre 2010 e 2013, as infecções aumentaram 44%, enquanto ao nível nacional nenhum aumentou mais de 10%. Por cada cem doentes admitidos, 14 ganharam uma infecção que não tinham antes de entrar no hospital.

O deputado do CDS-PP, Mário Pereira defendeu recentemente, no parlamento regional que o hospital devia ter “corredores técnicos” para que nos mesmos corredores não circulassem doentes, lixo hospitalar, alimentação, material cirúrgico e documentos administrativos entre outras coisas.

Os casos de gripe A voltaram, as obras são um inferno, há enfermarias não climatizadas.

Infecções hospitalares preocupantes

Contactada pelo SOL, a porta-voz da Comissão de Utentes do Serviço Regional de Saúde da Madeira, Carolina Cardoso mostrou-se preocupada com as infecções hospitalares e com a falta de material e medicamentos na farmácia hospitalar.

Sobre as infecções hospitalares, deu o exemplo dos elevadores do Hospital ‘Dr. Nélio Mendonça’ que tanto é utilizado por doentes ou visitantes como para transporte de lixo. As obras que actualmente decorrem para ampliar o hospital, com o pó e barulho associados, a par de um sistema de ar condicionado obsoleto, também ajudam a explicar as infecções hospitalares.

Carolina Cardoso deu quatro exemplos gritantes de falta de material. Numa enfermaria do Hospital dos Marmeleiros, usaram a mesma esponja para lavar dois doentes acamados. Um deles terá tido uma infecção urinária.

Um utente que já tinha aviado a receita na farmácia hospitalar foi contactado telefonicamente, já em casa, para dispensar alguns medicamentos que tinha levado consigo porque o Hospital precisava de os fornecer urgentemente a outro utente.

Há dias o Serviço de Urgência teve de apelar aos bons ofícios dos outros serviços do Hospital para conseguir cobertores para minimizar o frio dos utentes que aguardavam no corredor.

Quarto caso: Um utente que foi submetido a uma operação ao estômago viu o seu quadro clínico complicar-se, não pela intervenção cirúrgica mas por uma infecção pulmonar subsequente (infecção hospitalar).

Para Carolina Cardoso “a saúde tem de estar em 1.º lugar” e o quadro só não é mais negro porque “o pouco pessoal faz o melhor com o pouco material que tem…mas não faz milagres”.

Taxa de mortalidade infantil pode agravar

Autênticos Mandrakes é também como classifica Juan Carvalho o trabalho do pouco pessoal para tanto serviço. O SESARAM não admite nem pessoal, nem auxiliares nem médicos. Em Dezembro de 2012 abriu concurso para 12 enfermeiros. Estão a ser recrutados a conta-gotas.

“Há um conjunto de procedimentos, de atitudes, de posições que não estão em conformidade com a lei”, resumiu Juan Carvalho. Os casos acabam por se arrastar nos tribunais e na Provedoria de Justiça a quem recentemente, o sindicato recorreu para pôr fim a uma proibição relativa ao gozo de um dia a descontar no período de férias.

Sobre as infecções hospitalares, sobretudo em serviços como as infecto-contagiosas, hemato-oncologia e pneumologia, Juan Carvalho considera a situação “gravíssima”. E teme que, dentro de pouco tempo, sejam invertidos os bons indicadores da Região no que toca, por exemplo, à taxa de mortalidade infantil.

Juan Carvalho disse que a situação deteriorou-se ainda mais a partir do momento em que os actuais administradores do SESARAM suspenderam o programa de controlo da qualidade que tinha levado à acreditação do Hospital. Havia um conjunto de procedimentos e de timings, por exemplo, para esterilização de material que deixou de ser controlado.

O presidente do Sindicato dos Enfermeiros da Madeira não tem dúvidas que “está instalado um clima de medo e intimidação” e um “assédio moral” por parte das chefias de topo e chefias intermédias para obrigar os trabalhadores de base “ a fazer o impossível”.

Juan Carvalho resume com uma frase que ouviu nos corredores do Hospital: “Neste contexto e com esta gente, eles fazem o que querem e entendem e daqui a uns tempos não estão cá para responderem pelo que fizeram”.

Igualmente contactada pelo SOL, a recém-reconduzida presidente do Conselho regional da Ordem dos Médicos, Henriqueta Reynolds reconheceu que “pontualmente” há falta de material e de medicamentos. “É uma realidade”, disse.

Contudo, assegurou que não tem relato de colegas a queixarem-se de que a sua terapia foi mudada por razões economicistas.

Sobre o problema das infecções hospitalares disse que a oscilação percentual é mais notada na Região do que no país por uma questão de escala. “Qualquer pequena oscilação dá uma expressão maior”, disse ainda que se mostre preocupada com o assunto.

Sobre a retenção de pensões a utentes com “alta clínica”, que o SOL noticiou na última semana, Henriqueta Reynolds disse que “faz todo o sentido reter [pensões] pelas instituições que têm idosos com internamento de longa duração”.

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