O problema era ímpar à escala nacional. A expressão do desafio era significativa mesmo em termos europeus. A partir do fim dos anos 1980 e durante a década de 90, diariamente, mais de cinco mil pessoas desciam ao bairro para consumir drogas. Existiam cerca de 500 consumidores residentes a viver viviam em condições extremamente precárias, muitas vezes em barracas.
“O bairro era o hipermercado das drogas, mesmo a nível europeu”, lembra Judite Lopes, responsável pelo sector de intervenção social do Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso (1996-2001), em declarações à agência Lusa.
O expressivo tráfico e consumo de drogas colou ao nome do bairro a imagem de um formigueiro humano, feito de filas intermitentes de consumidores.
A este cenário juntava-se a progressiva degradação do edificado: um estudo da Câmara de Lisboa divulgado em 1995 revelava que 40% dos fogos não tinham água canalizada, 27% não possuíam esgotos, 10% estavam sem electricidade, metade não dispunham de “banho” e 42% não tinham cozinha.
A resposta — que demorou anos a chegar e outros tantos a ganhar forma — teve de agigantar-se para eliminar o problema e custou mais de 100 milhões de euros. “Não se tratava apenas de realojar famílias”, lembra Judite Lopes.
“Havia agregados que viviam do seu trabalho, mas grande parte estava envolvida nos esquemas do tráfico de droga. As famílias eram muito desarticuladas”, acrescenta.
A responsável explica ainda que “reconverter uma área habitacional com toda a problemática que o Casal Ventoso continha exigiu uma operação integrada, um plano que, a par do realojamento, previa uma estratégia de intervenção social para combater a toxicodependência, para combater o absentismo e o abandono escolar, e uma intervenção social junto dos idosos e dos jovens adolescentes”.
Esta intervenção foi “pioneira” em muitos aspectos, desde o combate à toxicodependência – “com a aplicação de um programa de metadona e o enquadramento sócio-higieno-sanitário” dos consumidores -, passando ainda pela abertura da pré-primária na escola pública e pelo enriquecimento dos currículos escolares, através da introdução do inglês e da informática, da ampliação dos tempos pedagógicos e do acompanhamento na saúde escolar e na alimentação.
“Contámos com o apoio do Programa Urban, da então Comunidade Europeia, e com o contributo decisivo da autarquia, que suportou custos de realojamento superiores a 75 milhões de euros”, afirmou ainda.
O realojamento na Quinta do Cabrinha, recordou Judite Lopes, foi “o mais emblemático”, por ser “o primeiro momento em que se conseguiu observar que seria possível iniciar um diálogo de vivência mais construtiva com os moradores”.
Na opinião de Filipe Santos, presidente do Projecto Alkantara, uma associação de luta contra a exclusão social que trabalha no bairro desde a sua inauguração, o processo de integração destas populações “podia já estar muito mais avançado se não tivesse sido interrompido” quando a câmara mudou de mãos, da presidência de João Soares (PS) para a de Pedro Santana Lopes (PSD).
À Lusa, Helena Lopes da Costa, vereadora da Acção Social de Santana Lopes (2002-2004), afirmou que a melhor resposta que pode dar a estas críticas é a vitória do PSD na Junta de Freguesia de Alcântara nas eleições autárquicas de 2005.
A então responsável explicou ainda a decisão da autarquia de extinguir, logo em 2002, o Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso: “Era uma estrutura luxuosa, com administradores bem pagos, com bons automóveis. Em 2002 as pessoas já estavam realojadas, nada justificava que continuasse a existir”, afirmou.
João Soares disse à Lusa que essas afirmações são “mentira”, argumentando que os elementos daquele gabinete se ocupavam de tarefas que o seu executivo considerava “essenciais para uma boa reintegração das pessoas”.
Lusa/SOL