O estudo é uma encomenda da SEC no âmbito da Estratégia 2020, que dá destaque ao conhecimento e à tecnologia. Qual o lugar da cultura?
O estudo, além de fornecer um guião para pôr o sector cultural e criativo nos fundos estruturais e de investimento no ciclo 2014-2020, é um guião para agarrar todas as oportunidades que estimulam o sector cultural e criativo. Seja como produtor de riqueza, seja como receptor da aplicação dessa riqueza, como peça relevante de uma melhor democracia ou como catalisador de círculos virtuosos em que, porque criámos mais riqueza através da cultura, vamos ter uma parte maior dessa riqueza afecta a desenvolver a cultura. Temos que deixar de olhar para a cultura como algo que vem depois de se ter criado riqueza. A cultura é essencial para criar riqueza. Não é muito correcta a perspectiva que coloca o desenvolvimento tecnológico como pai e mãe de todo o progresso. A cultura e a criatividade têm um papel fundamental. Todas as actividades económicas, da agricultura, à indústria e aos serviços podem ser penetradas pela cultura e criatividade.
Como por exemplo?
Veja-se o papel do Renascimento em Itália ou como a Nova Zelândia tem feito a sua promoção turística como o Império da Terra Média, da saga dos Hobbit, ou a Escandinávia, que com o sucesso de Stieg Larsson e outros policiais nórdicos se apresenta como o novo negro europeu, não só no cinema e na literatura, como na promoção turística. São exemplos de como a cultura e a criatividade podem ser indutoras de competitividade.
Aponta a necessidade de sinergias para a criação de riqueza, sendo a primeira a sinergia cultural. É a cultura a trabalhar com ela própria?
É uma sinergia dentro do próprio sector cultural e criativo, para que deixe de ser um conjunto de ilhas, relativamente satisfeitas no seu isolamento, e se torne um arquipélago mais rico, mais interactivo. Temos que ensaiar uma coisa parecida com o que a comunidade científica tem desenvolvido nas universidades, espaços onde as pessoas se juntam dentro da sua diferença. Haver interactividade entre pessoas diferentes, a estudar coisas diferentes, torna-as melhores. O mundo da cultura e da criatividade deve ter o seu campus. É imprescindível para o ritmo e qualidade da criação, para a forma como pomos a cultura a beneficiar e a ser parte activa no progresso económico.
E como se deve desenvolver a sinergia com o turismo?
A diferenciação no turismo tem que ser feita pela cultura, pela programação cultural, pela transformação dos museus. O fado é um elemento patrimonial com um potencial ainda maior do que já foi explorado. Falávamos na Nova Zelândia e na Escandinávia. Veja o investimento que foi feito, por outros, em torno do filão dos templários, que esteve muito na moda (com livros como os de Dan Brown). Portugal podia ter sido o principal beneficiário, há um património templário de colossal importância no arco patrimonial à volta de Lisboa. Mas muito pouco foi feito em torno disso. Porque é tão fácil usar personagens fictícias, como Romeu e Julieta, para promover Verona, e com Pedro e Inês é tão difícil? Por que não dar mais valor aos Descobrimentos? O maior edifício do mundo para fazer cordas está em Lisboa, é a Cordoaria Nacional. Não sabemos o que fazer com ela.
E no que toca à sinergia industrial. Como juntar cultura e indústria?
Tirando a cultura de candidato a mecenato do sucesso industrial. A ideia dominante é que as empresas que têm muito sucesso devem dar parte dos lucros para acolher criadores, o que está bem, mas é curto para o potencial da cultura e criatividade. Para ter sucesso a criar riqueza temos que incorporar mais cultura e criatividade nos nossos bens industriais, como o vinho e o azeite. A cultura entra aqui por aspectos identitários, como base para soluções diferenciadas. A cultura é o elemento que impulsiona a criatividade, que não se faz em tábua rasa. Faz-se com referências históricas, patrimoniais. Veja-se José Saramago e a História do Cerco de Lisboa, O Ano da Morte de Ricardo Reis… Há um conjunto de elementos que são culturais e não se conseguem desligar da criatividade. Temos aqui uma jazida de produção de riqueza. E num país desesperadamente à procura de crescimento económica talvez valha a pena prestar atenção a estas coisas.
E qual o peso que a língua portuguesa deve assumir nestas políticas?
Importantíssimo. A língua portuguesa favorece-nos. África, Ásia, Europa, Américas têm uma contribuição portuguesa. Largos milhões falam português. A língua portuguesa tem, além do seu valor cultural, um valor económico e social. Façamos outra sinergia. Mas como plataforma para o mundo, não para si própria. Não valeria a pena sair de um país que se virou para dentro e se fechou, para um que se fecha numa comunidade. A língua oficial portuguesa é para essa comunidade se projectar e ter mais força no mundo.