São curiosos os repetidos elogios a este Papa por parte da esquerda. Depois das desilusões com Obama, com os socialistas alemães, com Hollande, a esquerda agarrou-se a este Papa como se fosse uma aparição. Pessoas que se recusam a entrar numa igreja não poupam elogios ao ‘Papa Francisco’, ignorando que a Igreja Católica prega o mesmo há mais de dois mil anos. A doutrina da Igreja (que nem sempre foi seguida, mas isso são contas de outro rosário) consistiu sempre na defesa dos pobres, dos humilhados e dos ofendidos, desconfiando dos ricos. Já dizia Jesus Cristo: “É mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus”.
O tema dos ricos volta à ribalta sempre que as revistas económicas – nacionais e internacionais – publicam as listas dos mais ricos do mundo. Com resultados pouco originais, diga-se. Entre nós, os nomes são sempre os mesmos: Belmiro de Azevedo, Américo Amorim, Alexandre Soares dos Santos…
Mas este não é um assunto que se possa tratar superficialmente. É natural que a Igreja, que não tem a responsabilidade de governar, pregue a igualdade entre todos os homens. Mas outra coisa é pô-la em prática nas sociedades humanas. O comunismo tentou isso, com os resultados conhecidos: as tentativas igualitárias conduziram sempre a ditaduras.
Por isso, a ideia de ‘igualdade’ evoluiu para outra mais exequível: a ‘igualdade de oportunidades’. Todos deverão ter, à partida, as mesmas oportunidades – e depois quem tiver mais unhas é que toca guitarra. É esta a norma do liberalismo. Que tem um lado cruel, havendo os que são triturados pelo sistema e ficam sem meios de subsistência. Daí ter nascido o Estado Social, que visa proteger os mais necessitados.
O arquétipo do ‘homem rico’ tem mudado muito ao longo da História. Houve um tempo em que os ricos não trabalhavam, limitando-se a ‘viver dos rendimentos’. Eram assim os grandes senhores da terra.
Após a revolução industrial, o conceito de rico mudou. Era o self made man, o empreendedor da indústria, subido na vida a pulso e criador de emprego e de riqueza. Ou então o banqueiro.
Com a globalização, porém, os ‘ricos’ tornaram-se ainda outra coisa. A imagem do rico já não é a do capitalista de charuto na boca. Criaram-se grupos gigantescos destinados a actuar à escala global – como a Microsoft, a Nestlé ou a Toyota – que movimentam biliões e dão emprego a muitos milhares de pessoas em todo o planeta, e o líder de um grupo destes é naturalmente multimilionário. Mas isso traduz-se em quê? Bill Gates, pelo facto de ter uma fortuna colossal, tem uma vida radicalmente diferente da de um quadro da sua empresa que recebe um ordenado? Gasta consigo, com os seus luxos e caprichos, mil ou cem mil vezes mais dinheiro do que um vulgar cidadão da classe média? Claro que não. Esses multimilionários são, por assim dizer, ‘ricos virtuais’ – ou seja, têm um património monstruoso, que no entanto está em circulação contínua, em constante movimento. O dinheiro dos seus grupos serve para investir, para pagar a fornecedores, para pagar salários, para fazer publicidade. Não é dinheiro imobilizado debaixo do colchão à espera que o dono lhe dê um destino.
Em Portugal não há milionários da mesma dimensão dos ‘patrões’ dos grandes grupos globais. Mas pense-se, mesmo assim, na vida que fazem esses ‘ricos’. Américo Amorim, Soares dos Santos ou Belmiro de Azevedo vivem no luxo e fazem uma vida de estadão? Lembro-me de ouvir Belmiro dizer que tinha o mesmo carro há dez anos e não via necessidade de o trocar porque ainda estava bom. E que não viajava em classe Executiva nos aviões porque se recusava a pagar o dobro do preço para chegar ao mesmo tempo dos outros passageiros. Recordo também uma entrevista muito comentada de Balsemão em que este afirmava que só tinha três fatos. E Jardim Gonçalves dizia-me certo dia: “Não posso dizer que ganhei sempre o mesmo. Mas garanto-lhe que fiz sempre o mesmo tipo de vida”.
E isto acontece porque estas pessoas têm noção do valor do dinheiro e não gostam de gastar um cêntimo mal gasto.
Há outro tipo de ‘ricos’ no mundo – como certos sheiks árabes ou alguns multimilionários russos que compram equipas de futebol em Inglaterra, Espanha ou França. Mas não é a esses que me refiro. Refiro-me aos chamados tubarões do capitalismo, aqueles que enriqueceram à custa das suas ideias e capacidade empreendedora – mas cuja vida quotidiana não se distingue muito da dos seus próprios empregados. Vão trabalhar todos os dias, têm chatices no emprego, voltam à noite para casa, vêem um filme na TV, não se podem deitar muito tarde porque no dia seguinte têm de se levantar cedo.
A grande diferença, a diferença abissal, está no ‘poder’ que estes homens têm. Uma decisão deles pode ter reflexos em todo o mundo e na vida dos outros homens. Um erro deles pode custar biliões.
Eles têm nas mãos as rédeas da decisão na área em que actuam. Podem perder ou ganhar muito – mas normalmente ganham, por isso é que chegaram onde chegaram. Sabem ‘multiplicar o capital’.
Às vezes interrogo-me: “Se eu tivesse um milhão de euros para distribuir, o que faria: dava mil euros a mil pobres ou o milhão a um capitalista com provas dadas?”. E não tinha dúvidas sobre a resposta.
Se desse mil euros a mil pobres, ao fim de um ano o dinheiro ter-se-ia sumido e eles estariam a viver da mesma maneira. Se entregasse um milhão a um bom empreendedor, ao fim de um ano esse milhão valeria muito mais e teria ajudado à riqueza do país e a criar emprego.
Há pessoas com capacidade para multiplicar o dinheiro, como há pessoas com jeito para desenhar ou escrever. São aqueles de quem dizemos: “Tem jeito para o negócio”. A prova disso está na história de figuras como Champalimaud – que perderam tudo ou quase tudo depois da revolução, emigraram e reconstituíram os seus impérios no estrangeiro.
E nem se pode dizer, como alguns dizem, que eles são ricos porque já nasceram ricos. Isso é de certo modo verdade para os banqueiros, como a família Espírito Santo. Mas para homens como Jardim Gonçalves ou Belmiro de Azevedo (ou até, noutro plano, Sousa Cintra, que foi ascensorista num hotel) não é de todo assim: são pessoas que conseguiram com esforço e talento chegar ao topo.
Ora, são estes homens que precisam de ter dinheiro para investir – porque são eles que sabem aproveitar as oportunidades. São eles que fazem a riqueza das nações.
Não nos iludamos com aquelas políticas que se reclamam ‘justas’ mas que depois alcançam péssimos resultados. Distribuir o dinheiro só é bom até certo ponto – pois tem como consequência directa o aumento do consumo e, num país como Portugal, boa parte do que consumimos é importado. Muito desse dinheiro distribuído vai, pois, direitinho para o estrangeiro.
O caminho do progresso é outro: ter grupos fortes, com poder para exportar e capacidade para competir nos mercados externos. Dizer-se que Amorim, Belmiro ou Soares dos Santos não deviam ter muito dinheiro é um disparate. A fortuna deles é ‘teórica’, está a circular, está a criar riqueza. Se calhar gastam menos em extravagâncias e em luxos pessoais do que alguns dos quadros que empregam.