Devo confessar que tendo sido em tempos um entusiasta do surrealismo, acabei por achar esta escola demasiado datada e ultrapassada (talvez por em Portugal acabar por não atingir um significado decisivo). Mas isso poderia até ser mais motivo para querer guardar um prestigiado estrangeiro da dita escola – que não deixa de ter marcado um tempo, e dever ter o seu espaço de recordação. No entanto, Miró, que sempre me pareceu um genial designer (veja-se o sol dele que se tornou imagem turística de Espanha), e um artista com um traço extraordinário, não me parece pessoalmente dos maiores expoentes sequer do surrealismo que aprecio (e que talvez aprecie mais em certa literatura, ou até mais ainda em alguma poesia, ou definitivamente mais nos seus manifestos públicos). Reconheço que um Governo mais competente e com gente mais culta acabasse talvez por rentabilizar melhor aquela colecção de Mirós, expondo-a em Portugal, do que vendendo-a em Londres. Sendo isso por enquanto manifestamente impossível, a venda não parecerá tão disparatada. Tanto mais que seria provavelmente preferível fazer uma melhor colecção com aquele dinheiro.
Mas mesmo os incultos, quando são economistas ou gestores, sabem que não se deve pôr uma colecção de mais de 80 quadros de um único grande pintor à venda, todos juntos. Cai imediatamente a cotação. A coisa renderia muito mais vendendo um a um – hoje em Madrid, amanhã em Londres, outro dia noutro local. Ganhando assim muito mais dinheiro, o buraco do BPN seria mais tapável – ou então aproveitava-se para reforçar o poder de compra dos Museus nacionais.