Vistos gold na mira da União Europeia

Os vistos gold tornaram-se uma das maiores fontes de rendimento dos países da periferia europeia no último ano, mas a forte concorrência e as condições cada vez mais flexíveis da sua atribuição começam a levantar dúvidas. As regras poderão ser apertadas.

Depois de terem visto o investimento eclipsar-se com a crise do euro – em Portugal caiu 35% e na Grécia 60% –, muitos Estados-membros em dificuldades adoptaram os vistos dourados como forma de atrair investidores e capital para a economia.

Portugal foi um dos pioneiros em 2012 e o sucesso da iniciativa levou países como Espanha, Chipre e Malta a entrarem na corrida no ano passado. Desde que foram lançados, em Outubro de 2012, Lisboa concedeu quase 600 vistos gold que representaram 350 milhões de euros em investimento, segundo dados fornecidos ao SOL pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros. A Letónia, outro pioneiro, atraiu 450 milhões de euros para uma economia que é sete vezes mais pequena do que a portuguesa.

Esta concorrência depressa levou à facilitação das regras de acesso e começou a levantar dúvidas dentro da Comissão Europeia, de especialistas e em vários Estados que inicialmente adoptaram estes instrumentos.

Um visto dourado permite a livre circulação de pessoas, bens e capitais no espaço europeu e, apesar de não dar acesso à cidadania e passaporte europeu, é, no limite, uma ‘via verde’ para esse fim.

Em Portugal, por exemplo, pedir a cidadania obriga à residência efectiva durante seis anos no país. Mas um detentor de um visto gold tem apenas de estar 15 dias por ano no país, durante esses seis anos, para se candidatar.

No mês passado, a comissária europeia da Justiça, Viviane Reding, alertou no Parlamento Europeu que a cidadania de um Estado-membro deve ser atribuída “em cooperação” com os restantes países da UE, e só a quem tenha uma “ligação genuína” com o país.

Para o sócio da sociedade de advogados Miranda, Samuel Fernandes de Almeida, “este tema vem naturalmente colocar a nu a falta de harmonização comunitária em vários domínios, desde logo a ausência de uma política comum em matéria de defesa e em questões fiscais, em que também ocorrem vários fenómenos de concorrência fiscal desleal no seio da UE”.

A falta de harmonização na Europa nesta matéria permitiu aos países ditarem as suas regras para os vistos dourados, adaptando-os à concorrência. O boom dos vistos gold em Portugal, por exemplo, só ocorreu depois de o Governo ter flexibilizado as regras iniciais devido à fraca procura. Em Janeiro de 2013, o período de permanência obrigatório no país foi reduzido de 30 para sete dias no primeiro ano e de 60 para 15 nos seguintes. A_criação de postos de trabalho mínima foi cortada de 30 para dez.

Espanha é hoje o maior concorrente de Portugal. Oferece vantagens muito semelhantes, mas dispensa, por exemplo, um período de estadia mínimo. Na Grécia, o visto dourado é atribuído a quem invista um mínimo de 250 mil euros, na Letónia 150 mil e em Malta, o arrendamento de uma casa por dez mil euros anuais é suficiente para ter um visto gold. Malta é um exemplo do risco de excessos: foi obrigada a recuar por Bruxelas depois de ter proposto a venda da cidadania a quem investisse 650 mil euros no país.

Em vários Estados da UE, porém, os vistos gold estão a ser mais difíceis de obter. A contestação levou o Governo da Letónia a impor regras mais duras este ano (antes bastavam 70 mil euros para ter acesso ao visto). A Irlanda apertou os critérios de entrada já no passado.

Samuel Fernandes de Almeida considera que a falta de critérios únicos “abre a porta à utilização abusiva deste instrumento de captação de investimento estrangeiro e que o maior risco consiste na potencial degradação dos controlos transfronteiriços no espaço”. O advogado da Miranda acredita que a Comissão Europeia poderá avançar no futuro com requisitos mais apertados na concessão da cidadania europeia.

luis.goncalves@sol.pt