RAS – 20 anos depois

Cruzei a 30.000 pés a fronteira de Moçambique e em 40 minutos estava a aterrar no aeroporto Oliver Tambo, que conheci há quase 40 anos, quando ainda se chamava Jan Smuts. De lá é uma hora a Roodeport, pela rede de magníficas auto-estradas e estradas entre Pretória e Joanesburgo. Depois voltei a Smuts-Tambo, donde tomei…

São duas horas sobre o planalto até ao Karoo, essas terras pardas e negras, sem fim, sem estradas, quase sem rios, mas que vão esverdinhando e animando à medida que descemos para o destino, o Cabo, passando o Drakensberg.

Ali, tudo muda – e podíamos estar sobre a Provença ou o vale do Pó: a luz que desce sobre a Table Mountain deixa uma visão renascentista utópica – cidades, vilas, colinas, caminhos sobre dois mares oceanos – o Índico e o Atlântico – que aqui se juntam. Mais perto, a utopia transforma-se numa paisagem normal, de subúrbio rico, em varandim sobre o mar com jardins e piscinas, a contrastar com os bairros pobres junto ao aeroporto.

Daqui segui para Paarl, o vale e estrada dos vinhos, a caminho de Wellington. A paisagem, as vinhas, as colinas, as casas lembram os homens da Dutch Western Indias Company e os huguenotes franceses que para ali foram e ficaram a partir do século XVII.

Entreguei-me à hospitalidade de velhos amigos, com quem depois fui para Constantia, 15 minutos a montante das praias atlânticas do Cabo.

E o resto? Passaram 20 anos sobre as eleições que puseram fim ao apartheid e deram a vitória ao ANC. O que ficou? O que mudou?

Não veio o apocalipse que muitos temiam, um apocalipse que fosse uma guerra étnica ao modo dos Balcãs nos anos 90 ou do pós-independência da Índia inglesa. Nem sequer um êxodo dos ‘colonos’ ao modo português de 74-75. Nada disso. Apesar de haver problemas graves, como os homicídios continuados de agricultores boers no Norte-Transvaal (56 assassínios entre Janeiro e Outubro de 2013), apesar de uma emigração branca qualificada (que tende agora a regressar) e de uma taxa de criminalidade elevada, a África do Sul mantém muitas das suas características de país leader do subcontinente.

Melhoraram, a nível privado, as relações inter-raciais: há casais mistos (não muitos), olhados com a indiferença da normalidade. Existe um ‘império da lei’ da Constituição e liberdade religiosa, em que o partido no poder não mexeu. Estão aqui as cinco melhores universidades de África e um desporto de altíssimo nível. E o país tem uma invejável saúde financeira e fiscal (a dívida pública é 32% do PNB, a comparar com a UE, os EUA e o Japão).

O grau de desenvolvimento das infra-estruturas e das indústrias não tem nada a ver com o resto do Continente. E se se mantêm linhas de clivagem económico-social ligadas aos grupos étnico-culturais, a verdade é que, nos últimos dez anos, a classe média negra passou de 1,6 milhões de pessoas para cerca de 4,2. O que é notável.

Qual o futuro disto? Em 7 de Maio próximo há eleições legislativas. O ANC de Zuma continua favorito, mas é natural que a sua margem de maioria absoluta se veja reduzida se os principais partidos da oposição se entenderem numa frente comum.