Em risco de perder a casa

Os moradores de dois bairros em Azeitão estão em risco de serem despejados. A cooperativa de habitação que na década de 80 construiu os prédios foi declarada insolvente há um ano e, agora, várias famílias podem a qualquer momento perder os apartamentos para os credores.

Nos prédios baixinhos rodeados de pinhais, às portas da Serra da Arrábida, a angústia é grande. “Sempre paguei tudo o que devia à cooperativa, mas corro o risco de ficar sem a casa”, desabafa Maria da Glória, 67 anos, que vive há 26 no bairro de Pinhal de Negreiros. “Estamos sem saber o que mais fazer”, desabafa António Santos, de 54 anos, que ali mora com a mulher e a sogra, doente. “Pagamos tudo, mas não temos sequer a escritura da casa”.

Ao todo, são 41 as famílias que correm o risco de perder as casas em Pinhal de Negreiros e Vendas de Azeitão. Os dois bairros começaram a ser construídos nos anos 80 pela Cooperativa de Habitação e Construção Económica Bairro dos Trabalhadores, que oferecia fogos a preços baixos a quem se fizesse sócio. O negócio era apetecível: os cooperantes podiam, por exemplo, comprar uma casa com três quartos por pouco mais de 15 mil euros. Foi esse o valor pedido aos pais de Carmina Cardoso, que na época adquiriram um andar para a família no bairro de Vendas de Azeitão, onde vivem desde 1987: “O que ficou acordado é que seria pago um valor mensal ao longo de 25 anos. No fim desse prazo, a casa passaria para o nome dos meus pais”.

O valor inicialmente acordado para os apartamentos foi mais tarde corrigido pela cooperativa. “Em 1996, foi pedido aos sócios das Vendas de Azeitão que suportassem um acréscimo de custos, tendo em conta os valores pagos na aquisição do terreno, construção e os encargos administrativos” – adianta Carmina. Por isso, o valor do T3 dos seus pais passou para cerca 30 mil euros. Foi aí que, pela primeira vez, alguns dos 109 moradores dos bairros anteciparam o pagamento total das casas, assinando as primeiras escrituras.

Apanhados de surpresa

Os restantes seguiram dois caminhos: uns acabaram mais tarde por também amortizar antecipadamente o custo total da habitação; outros insistiram em cumprir o prazo estabelecido inicialmente e só concluíram o pagamento ao fim dos 25 anos previstos. E são estes últimos moradores que – apesar de terem, entretanto, pago a totalidade das casas – correm agora o risco serem despejados porque nunca chegaram a assinar a escritura.

A surpresa chegou em Janeiro do ano passado, quando foi declarada a insolvência da cooperativa a pedido de um dos credores, uma empresa de construção.

“As pessoas nunca suspeitaram de nada. Eram marcadas assembleias-gerais, mas nunca se aperceberam sequer que a cooperativa estava em situação económica difícil”, conta Diogo Duarte, que ali viveu com os pais. “Tudo sempre funcionou na base da confiança”, recorda a mãe, Paula. Agora, compreende que foi o avolumar das dívidas que levou a cooperativa, em 2009, a fazer novo apelo aos moradores para uma antecipação da escritura. “Na altura recusei porque não tinha capacidade para pagar o que faltava, nem hipótese de fazer um empréstimo bancário”. Por isso, está entre as 41 famílias que nunca conseguiram que os responsáveis da cooperativa assinassem a escritura, apesar de ter pago o valor total de 43.708 euros pela sua habitação.

Perante uma dívida superior a 12,3 milhões de euros – sobretudo à banca e ao Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana – o administrador de insolvência considerou que as habitações sem escritura deviam ser usadas para pagar aos credores.

E os 41 moradores, por serem sócios cooperantes, foram considerados “credores subordinados” – ou seja, só têm direito a reaver o valor das casas depois de serem pagos todos os outros credores, entre eles os bancos Santander, Banif e Caixa Económica Montepio Geral. “Com esta decisão, os moradores não só perdem o direito à casa mas também a hipótese de recuperar o investimento feito ao longo de 25 anos”, explica Carmina Cardoso.

A cooperativa ainda recorreu da decisão de insolvência. Mas em Julho do ano passado, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou a decisão inicial.

A esperança agora é uma resposta positiva do Tribunal do Comércio de Lisboa à tentativa dos moradores de impugnar a lista de credores, que foi estabelecida pelo administrador de insolvência. Os habitantes exigem ter prioridade sobre outros credores de forma a poderem manter as casas ou receber o valor já pago.

A maioria dos habitantes do bairros está hoje reformada, com pensões mínimas, e não tem condições económicas para se mudar ou contrair novo empréstimo. “Tenho 57 anos e sou a mais nova do meu prédio. Estou desempregada, fiquei viúva e não tenho forma de sobreviver sem a ajuda da família”, lamenta Paula Duarte. António Santos não tem dúvidas: “Não nos resta mais nada a não ser esperar, sem saber o que nos vai acontecer”.

joana.f.costa@sol.pt