‘O swag não é roupa, é atitude’

Às quartas-feiras à noite a discoteca Lust, no Terreiro do Paço, em Lisboa, enche-se para as noites Swag On. Com ritmos de hip hop e R&B, aqui não há códigos de vestuário. A ideia é ser uma festa sofisticada, longe de estereótipos, onde cada um é livre para se expressar como quiser.

“As mulheres não têm swag. As mulheres têm classe”. Marta Silva, 21 anos, estudante de Sociologia, é rápida no gatilho. Tal como tantos outros, é-lhe difícil arranjar uma definição de swag. “Swag é atitude, Swag é Something We Africans Got”, diz, rindo. São cinco amigas, estudantes do primeiro ano de Sociologia, e hoje é dia de comemorar. Acabaram-se os exames, o primeiro semestre está feito. Vão dançar a noite inteira. Decidiram fazê-lo na discoteca Lust, no Terreiro do Paço, em Lisboa, onde todas as quartas-feiras a pista de dança se enche ao som das batidas de R&B e hip hop. São as festas Swag On, que há quase um ano animam a capital, organizadas pelo manequim Gonçalo Teixeira, pelo web designer João Relógio e pelo jogador de rugby João Mestre.

Mas o que é, afinal, o swag? A palavra inglesa, na sua origem, refere-se a um caminhar com uma certa arrogância e confiança, bem como a um estilo de vestir, elegante e na moda. Entretanto, adoptada por rappers como Jay-Z e rapidamente entranhada no jargão urbano, começou a ser usada em relação com a música rap e com um estilo de vestir caracterizado pelo uso de snapbacks (boné ajustável, arredondado e mais subido, normalmente associado ao basebol ou ao basquetebol), calças largas, ténis Air Jordan e roupas de marcas como a Supreme, Hype e Obey. E que não deixa de fora um estilo de vida, relaxado, com o uso de palavras como yolo como cumprimento (sigla para You Only Live Once). É, aliás, isso, o que subsiste. Depois de o swag ter virado moda, e de adolescentes terem começado a usar as roupas associadas ao estilo, estas começaram a perder a sua aura cool.

Por isso, hoje, para a maioria, o swag não é tanto a roupa usada, mas uma forma de estar e atitude, difícil de qualificar. Marta não sabe bem o que é o swag, mas sabe o que não é: “Os brancos não têm swag. Nem sabem dançar. O swag não é roupa. Não importa o que têm vestido, se têm os Air Jordan. O que conta é a atitude. E, para mim, só os africanos têm a atitude do swag”. As amigas riem-se, atirando: “Ainda te vais casar com um português branco”. Marta recusa, bem disposta: “Não vou nada, cruzes credo!”. A estudante preferia ir a uma discoteca africana, não gosta de hip hop, prefere kizombas. Afinal, bom, bom, “é dançar agarradinho”. Mas a boa disposição contraria o discurso. Acaba por ceder: “Estou com uma pequena esperança… Dou uma hipótese aos brancos desbotados”. E afinal também gosta de algum hip hop, como as canções de Drake. Se passar a ‘Hold On, We’re Going Home’ até dá para dançar ao seu gosto: agarradinho.

Daniela Azevedo está expectante. Gosta deste estilo musical, é a primeira vez que aqui vem. Animada e com pronuncia do Norte, não hesita: “Vim porque sei que tem um bom ambiente, descontraído, onde nos podemos mesmo divertir. Espero dançar até de manhã!”. Patrícia Mendes, a veterana destas festas, confirma que a noite vai ser boa. “Já vim muitas vezes ao Swag On. O hip hop e o R&B são para dançar individualmente, não agarradinho – ‘isso é que é bom’, interrompe-a Marta – e há battles entre os que dançam hip hop a sério, e que vêm aqui mostrar o seu swag na dança”.

Todas parecem concordar num ponto: o swag é prerrogativa masculina. “As mulheres não têm swag, têm classe. Têm que mostrar o seu lado feminino, não andar de calças largas e Air Jordan.A mulher tem que manter sempre a postura!”, diz Patrícia.

Jasmine interrompe. Tímida ri-se, relutante em admitir que cuidou o guarda-roupa. Tem umas argolas enormes douradas, calções curtos, camisa de homem aberta. E reclama o direito das mulheres ao swag: “Também temos uma pitada de swag, porque swag é confiança. Eu vim assim mais chique. Hoje as minhas amigas vão-me arranjar um marido”.

Swaggar noite dentro

Pouco passa da meia-noite e à porta do Lust já se começa a formar uma fila. O estilo é heterogéneo, há saltos altos e ténis, bonés e cabelos bem penteados, t-shirts largas e camisas bem passadas a ferro, as idades parecem ir dos 20 aos 35. Gonçalo Teixeira, um dos organizadores, confirma. “Gostamos de manter um ambiente saudável, descontraído. É giro, porque conseguimos abranger pessoas dos 20 aos 35 anos. Temos aqui todo o tipo de classes etárias e é isso que faz o Swag On ser tão bom. Não temos um público específico, toda a gente gosta, toda a gente vem”. Desengane-se, pois, quem pense que só vai encontrar jovens de cap, calças largas e Air Jordan, os habituais códigos de vestuário associados ao swag. Aqui há de tudo, e sem regras.

Gonçalo Teixeira é manequim e, dividindo o tempo entre Nova Iorque e Lisboa, conta que começou a frequentar festas nos EUA de hip hop, de grande qualidade e sofisticação, que não encontrava cá. Em Lisboa sentia ainda um preconceito em relação ao hip hop, ainda ligados a uma cultura gangster, estereótipo há muito ultrapassado no resto do mundo. Por isso juntou-se a dois amigos e criou as festas Swag On em Março do ano passado. “Quis trazer para cá as festas de hip hop que tinha visto em Nova Iorque. Quisemos criar um ambiente sofisticado, em que as pessoas tivessem liberdade para se vestir e expressar da melhor maneira, e juntar-lhe o hip hop que hoje representa a emancipação dos afro-americanos, pessoas bem sucedidas, bem vistas e que querem mostrar isso ao mundo”.

Com o avançar da hora, a fila à porta cresce. A pista já está cheia, dança-se ao som de êxitos recentes de hip hop, outros mais antigos, muito R&B. As letras são entoadas por muitos, que as sabem quase de cor. O espírito é animado, há sorrisos nas caras, as pessoas estão felizes.

A aposta destes três amigos nestas noites dedicadas ao hip hop foi ganha. Com ou sem swag. Hoje não só fazem estas festas em Lisboa, como às quintas-feiras as fazem também no Porto, no Rivoli. E uma vez por mês promovem-nas em Viseu. E agora já estão a olhar para fora, com as vistas postas no Brasil e em Angola. “O swag é quase uma epidemia que surgiu no mundo. Tem a ver com afirmação, com o assumir da maneira de vestir, com o poder expressar-se livremente. E foi isso que quisemos fazer. Esta é uma festa onde as pessoas se podem sentir livres, onde se pode encontrar um bom ambiente e ouvir boa música”. Sem códigos de vestuário.

rita.s.freire@sol.pt