Onde pára o swag?

Moda muito passageira para uns, forma de vida ainda válida para outros, o swag é um estilo que deve origens ao hip hop e à cultura de bairro. Retrato de swaggers ‘sobreviventes’ e reportagem numa festa da especialidade, em Lisboa.

A cada frase, um telefonema interrompe-o. Atende o smartphone, não faz ideia de quem seja, mas a insistência do interlocutor transtorna-o. Tenta a abordagem agressiva, com um prolongado ‘whaa’ que soa ao mais depurado sotaque cockney. Mas não perde a compostura, antes passa o aparelho para outros elementos do grupo, a ver se despacham o intruso misterioso. Olhando para ele, nada faz adivinhar a pronúncia carregada de Londres. Afinal, está ali, no Vale da Amoreira, perto da Moita (margem Sul de Lisboa), um dos muitos bairros sociais que circundam a capital.

André faz parte de uma banda deste bairro, os Key Money Rap Boyz, e de outra, os Bravo Boyz, de expatriados angolanos, como ele, em Londres. Dividido entre dois mundos, ainda assim reina em ambos: “Lá trabalho numa loja de roupa. Aqui ajudo os amigos com este projecto musical”, diz, sempre mantendo o mesmo estilo, de roupa informal e o snapback (boné alto) na cabeça. Mantém, no fundo, uma atitude que pode ser definida como a de alguém com swag. A palavra soa hoje a algo ultrapassado ou, como definem alguns liceais de Lisboa que já ‘foram’ swag, é ‘azeite’, algo foleiro, ultrapassado.

André, conhecido no seu grupo pelo nome de guerra Drey da Don, não concorda inteiramente. Afinal, suspeita-se que o swag tem origem em bairros como este, e terá vindo da cultura hip hop, há muito enraizada nestes bairros. “Há muitas pessoas que ainda usam a palavra. Pelo menos, na música. Eu não a uso muito, mas ainda a uso de vez em quando”. Mas, mais do que uma palavra a usar nos versos de quem faz rap, é uma atitude, uma postura, uma forma de vestir e uma filosofia de vida que passa por uma certa ligeireza no ser e no estar. “Acho que o termo original tem mesmo a ver com a maneira como te vestes. Só que, hoje em dia, cada pessoa já lhe põe o seu significado e usa-a da maneira que acha. O swag está associado a um estilo mais leve de vestir”.

Os Key Money Rap Boyz cruzam as letras de André com as de Edson Afonso (ou Edsong na banda), Deedz B e Jr Papi. Às vezes rappam com swag, ou seja, usam versos ou modos de cantar com a tal atitude que se tenta aqui definir. “Já oiço pessoal a dizer que já não tem swag limpo, que é o swag normal, tem swag sujo”, atira Edson, que é também o produtor do quarteto. O estilo mede-se com uma escala de grau de sujidade? “O swag sujo é mais de rua. O limpo é mais comercial”, esclarece. Ou seja, a partir do momento em que se terá vulgarizado, o swag deixou praticamente de o ser, para admitir no seu universo alguém com uma abordagem mais comercial, como Justin Bieber, perdendo assim o seu ‘lado’ Jay-Z e a sua aura cool. Este último, rapper e produtor norte-americano, terá forjado a própria palavra, reza a lenda, porque em matéria de movimentos suburbanos ou contracultura nada é muito certo.

O próprio Edson já escreveu, num dos seus versos, termos de swag sujo, algo mais ligado ao calão. Mas esta ‘sujidade’ significa algo mais, algo genuíno: “É a forma como cada um se apresenta na sociedade”.

A palavra também não é estranha a muitos quilómetros dali, noutro bairro periférico da capital, a Quinta do Mocho, em Sacavém (Loures). Tal como não é estranho o universo musical a Kedy Santos, ilustre habitante do bairro, agora finalista de Engenharia Química no pólo do Barreiro do Instituto Politécnico de Setúbal. Kedy foi um dos líderes do Império Suburbano, um grupo que tentava levar uma mensagem positiva aos jovens da Quinta, muito marcados por uma imagem de violência e de marginalidade. Esse lado positivo, lembra o estudante, pautou as letras do grupo desde sempre: “Nós procurávamos mostrar que onde as pessoas vêem lixo nós conseguimos ver luxo”.

O swag que (ainda) diz cultivar como estilo, é algo mais na vida, qualquer coisa de positivo que há a transmitir aos outros, além das aparências. Kedy sabe, no entanto, que esta ideia é contraditória em relação ao conceito mais básico que se possa ter de uma atitude swag: “Sim, a simplicidade contraria um pouco essa ideia. Eu cheguei até a comprar uma t-shirt que dizia ‘anti-swag’, mas é claro que não consigo desligar-me do fenómeno, que pertence a uma geração de que eu faço parte”.

O swag será assim uma moda que quase o chegou a ser, algo como uma nuvem que não chegou sequer a formar-se, mas que passou pelo céu à mesma e deixou por terra uns breves pingos de chuva. A música também apanhou esses aguaceiros. “Muitos grupos começaram a usar este termo como uma ferramenta para atingirem um sucesso que pode ser efémero”, avança Kedy. Tudo passa, afinal, e é difícil de definir, como a vida. Mas o swag poderá escapar para sempre a uma definição concreta. Kedy resume essa dificuldade quase sem querer: “É algo que os jovens procuram ter sempre” mas que poucos sabem explicar.

ricardo.nabais@sol.pt