Alberto Sousa nunca sonhou trabalhar com calçado. Já Filipe cresceu consciente que dificilmente escaparia a esse destino. Alberto começou a trabalhar aos 14 anos, como paquete de um escritório em Guimarães. Com a mesma idade, o filho Filipe estava já habituado aos cheiros a peles e colas, característicos de uma fábrica de calçado.
Foi a pulso que o pai Alberto passou de paquete a sócio de uma lavandaria, fez o negócio prosperar e, depois, vendeu a sua quota para, aos 23 anos, se iniciar num negócio acerca do qual nada sabia: o calçado. Já o filho viu-se obrigado a esquecer a vocação para o design e estudar economia de forma a assegurar o futuro do negócio de família. “Logo no dia a seguir a terminar o curso já tinha a porta da fábrica aberta”, recorda Filipe.
Quando abriu portas, em 1986, a Eureka tinha 12 colaboradores. Hoje, só na fábrica, tem 300, produz meio milhão de sapatos por ano, vende para 76 países, tem 24 lojas próprias em Portugal e factura 20 milhões de euros. Números que a tornam um dos gigantes do calçado em Portugal. Mas, números à parte, para Alberto e Filipe Sousa, pai e filho, homens fortes da Eureka, não há grande margem para dúvidas em relação a este sucesso: “Família e trabalho são realidades inseparáveis”.
A Eureka, tal como é conhecida hoje em dia, nasceu em 2009. Até então a fábrica assinava pelo nome do seu criador, Alberto Sousa, sendo Eureka uma sub-marca. Os tempos eram indubitavelmente diferentes. “Há 28 anos, quando comecei, o fabrico de calçado era quase artesanal e havia muito pouca mão-de-obra especializada. Ao longo dos anos fomo-nos adaptando, bebendo coisas de outros países e apostando em equipamentos”, recorda o empresário.
Para este processo de adaptação a novos tempos, de muito serviram os negócios de subcontratação. Com a indústria portuguesa de calçado associada, desde sempre, à qualidade, mas a um fraco design, as fábricas portuguesas eram já há muitos anos procuradas por grandes marcas para que produzissem as suas criações. “Quando as fábricas portuguesas, como a nossa, começaram a lidar com estas marcas souberam aproveitar as suas influências sem, no entanto, copiar”. E mais, estas marcas, referências no mundo internacional da moda, ao serem vendidas com etiquetas made in Portugal, reforçaram a ideia da qualidade do calçado português. É o caso da Jimmy Choo, da Balmain ou de Isabel Marant, todas marcas para as quais a fábrica de Alberto Sousa produz.
Quando a geração mais jovem chegou a este mercado – neste caso, quando o filho Filipe chegou à Eureka, em 2009 – retirou uma conclusão aparentemente óbvia: se as grandes marcas procuravam Portugal para produzir, por que não haveria Portugal de procurar estar na primeira linha do design, criar e produzir as suas próprias marcas e torná-las conhecidas no mundo? “O calçado continua a ser uma indústria muito familiar e quando os mais jovens começaram a assumir os seus lugares, como o Filipe, vieram com outra visão e cheios de ideias inovadoras”, assume o patriarca.
No caso da Eureka, antes de mais, isto traduziu-se numa reconversão do logótipo e na renovação da marca Filipe Sousa. “A marca já existia, criada pelo meu pai com o meu nome e desenhada por um designer espanhol. Com a minha entrada, assumi a marca, juntamente com uma equipa criativa que desenha de acordo com a minha visão”, explica Filipe. Além desta marca, a Eureka reformulou as suas linhas e sub-marcas. No fundo, depois da entrada de Filipe na empresa, a fábrica Alberto Sousa passou a ser subcontratada para produzir, também, as suas várias marcas.
Rumo às 30 lojas
Seguiram-se as lojas. E foi com este passo que a Eureka passou a ser uma marca reconhecida pelos clientes portugueses. Em apenas um mês, inauguraram as lojas de Vizela, Braga, Penafiel e Guimarães. “Nunca imaginámos que os passos no retalho corressem tão bem. Hoje em dia as nossas lojas já correspondem a 30 por cento das vendas”, explica Filipe, responsável, também, pela expansão das lojas Eureka. Um valor que denuncia a estratégia radicalmente diferente de outras marcas portuguesas, dedicadas, quase em exclusivo, à exportação. A Eureka quer ser uma marca reconhecida dentro e fora das fronteiras nacionais.
A penúltima loja Eureka foi, talvez, a mais simbólica. Pai e filho pretendiam abrir uma flagship store em Lisboa, onde pudessem vender todas as suas criações, bem como promover outros designers portugueses. No último instante o negócio caiu por terra. Para tentar esquecer este dissabor, pai e filho resolveram abrir esta mesma loja, mas no Porto, em plena Rua de Santa Catarina. No total são três pisos, desenhados pela AAMD Arquitectos, onde é possível encontrar todas as linhas da Eureka. No último andar fica o The Lab, um espaço onde se podem encontrar as colaborações assinadas por designers convidados.
Actualmente com 24 lojas, a Eureka já tem os próximos passos bem definidos: pretende chegar às 30 lojas em Portugal. Depois segue-se uma loja na Colômbia e vários corners dentro de outros espaços comerciais em Espanha. Isto, claro, além do mercado de exportação. “Hoje em dia há uma ideia mais globalizada da marca Portugal no calçado, mas ainda antes desta fase já tínhamos dado muitos passos lá fora. Não é por acaso que vendemos para 76 países”, afiança Alberto, ao mesmo tempo que acrescenta que os principais mercados para os quais vende são os EUA, França, Inglaterra e Alemanha. “Mas também vendemos para sítios como a Coreia do Sul e as Ilhas Faroés”.
Uma montra em forma de discoteca
Ainda miúdo, Filipe já sabia bem o que era isso de sair à noite. Noctívago convicto, o pai costumava levá-lo consigo. “Vou a discotecas desde pequenino. O meu pai levava-me que era para ele também poder ir. Servia-lhe de desculpa”, conta, enquanto se ri. O gosto pela noite, associado ao empreendedorismo que ganhou logo nos primeiros anos de universidade, levaram Filipe a abrir uma discoteca, ainda durante os anos de estudante. “Arranjei um sócio e transformámos um pavilhão gimnodesportivo numa discoteca. Dava para 300 pessoas, mas chegámos a ter lá 1000”. Estava aqui o embrião da primeira discoteca assinada por Filipe Sousa, o Eskada, em Vizela. Seguiram-se três Havana Club (Lixa, Freamunde e Fafe) e um outro Eskada, no Porto.
Mas aquilo que quase poderia parecer um capricho de um jovem, revelou-se uma montra para o negócio de família. “Percebi depressa que as discotecas e os sapatos se complementavam. Estou sempre a olhar para os pés das pessoas e vejo que há uma percentagem muito grande de clientes do Eskada que são também clientes da Eureka e que associam as duas marcas ao mesmo estilo de vida. São jovens, urbanos, que gostam de moda e que estão atentos às novidades”, explica Filipe. Conscientes disto, pai e filho passaram e promover as sinergias entre as discotecas, sobretudo os dois Eskada, e a Eureka. “Fazemos desfiles, temos montras com calçado Eureka no interior das discotecas e damos descontos aos clientes regulares, quer das discotecas quer das lojas”.
Mas as sinergias não ficam por aqui. Aquilo que é uma das imagens de marca da Eureka: as colaborações com designers portugueses – às quais chamam COxLabs – de certa forma nasceram através das discotecas. “Sempre achei que estarmos na vanguarda passava por colaborarmos com jovens designers, aliando o factor criativo ao comercial, Como já conhecia o Miguel Flor e o Nuno Gama através das discotecas, foram eles os primeiros convidados”. Seguiram-se colecções assinadas por Ricardo Andrez, Os Burgueses e Marques’Almeida. Na calha estão os nomes de Ricardo Dourado e Lidija Kolovrat. “São colaborações que servem para dar destaque à marca Eureka. Em termos de vendas estas colecções são residuais, até porque são limitadas, mas colocam a Eureka na vanguarda da moda. Mesmo quando as suas criações levantam inúmeras dificuldades à produção”. Foi a mesma lógica que levou Filipe Sousa, no ano passado, a lançar o projecto Style Me Up!, no qual os bloguers de moda Raquel Prates, Pedro Crispim, Pureza Fleming e a dupla DSECTION personalizaram modelos Eureka para o Verão 2013.
Actualmente, além de Filipe, com Alberto trabalha também a filha, Ana Sofia, que trocou a fisioterapia pelo negócio de família. “O futuro está bem entregue”, desabafa o empresário. Os seus sonhos de reforma, apesar de sucessivamente adiados, parecem mais próximos. Mas agora Alberto já não sonha mudar-se para o Brasil. A vida trocou-lhe os planos. “Quero criar uma fundação com residencial em nome da minha mãe, Maria do Nascimento, que morreu com um tumor na cabeça. E gostava de lá viver com a minha mulher, enquanto vejo os nossos filhos e netos continuarem aquilo que comecei”.