O cacau é a alma do negócio

Bombons de fumo, de wasabi, de praliné de milho com sal marinho, de framboesa e champanhe, de piri-piri e tabletes de chocolate com caril. Estas são apenas algumas das ofertas das chocolatarias que, nos últimos anos, têm vindo a instalar-se em Lisboa. O SOL foi conhecer estes espaços, os seus responsáveis e provar as suas…

A montra da Xocoa, na Rua do Crucifixo, não deixa ninguém indiferente: as tabletes de chocolate alinhadas em prateleiras e a imensa variedade de bombons em caixas de acrílico não só adoçam a vista como aguçam a curiosidade de qualquer transeunte.

Inaugurada em Maio de 2009 pela mão de Carla Marcos e Sérgio Felizardo, esta chocolataria é uma representação da loja homónima que nasceu em Barcelona nos finais do século XIX e que ainda hoje pertence à família Escursell. Há muito que os herdeiros queriam expandir o negócio para Lisboa. “Achámos este projecto aliciante e somos há muitos anos amigos dos donos da Xocoa, que já são a quarta geração desta família a fazer chocolates”, refere Carla. O casal, apesar de não estar ligado à área – ela era engenheira têxtil e ele ajudava a produzir um festival de cinema -, mudou-se de armas e bagagens da Covilhã.

A Xocoa de Barcelona inicialmente era uma pastelaria, que ganhou nome graças aos seus produtos com chocolate, receitas com mais de 117 anos e que ainda hoje são utilizadas. Mas os herdeiros, os irmãos Marc e Miquel Escursell, decidiram focar-se apenas na produção dos chocolates. “Muita gente pensa na Bélgica, Suíça e em França mas a chocolataria na Europa começou em Barcelona. O Mark e o Miquel criaram o conceito do chocolate design, que agora está muito em voga. Criaram toda uma envolvência diferente da chocolataria tradicional”, explica Sérgio.

Os bombons com os mais variados recheios – café, wasabi ou framboesa -, as tiras de chocolate com laranja, as trufas, os pralinés de milho torrado com sal marinho por cima ou o chocolate quente são alguns dos produtos da Xocoa. Isto sem falar no vental, uma trufa de chocolate envolvida em pasta de amêndoa em forma de tarte e servida à fatia. “O foco da Xocoa é sempre o chocolate. Aquilo que a pessoa sente primeiro é a qualidade do chocolate, depois vem o resto”, afirma Sérgio.

Mas o consumo de chocolates em Portugal ainda está muito longe do de outras latitudes. “Portugal é dos países da Europa com menos consumo de chocolate”. Ainda assim, o casal começa a notar uma alteração no perfil do consumidor e, apesar dos altos e baixos, o negócio mantém-se, já com alguns planos para o futuro. “Queremos trazer a chocolataria de outras paragens, como os EUA, que tem dos melhores mestres chocolateiros do mundo e as pessoas não conhecem”, afirma Sérgio.

Da Invicta para a capital

Quem também decidiu arriscar a sua sorte em Lisboa foi a chocolataria Equador. Com duas lojas no Porto, a expansão da marca resultou de uma proposta de dois clientes habituais das lojas no Norte. “Sempre que iam ao Porto voltavam carregados de tabletes. Passados alguns meses, desafiaram os fundadores da marca a abrir uma loja em Lisboa”, refere Concha Valente, directora da chocolataria em Lisboa. Um desafio que se concretizou no dia 13 de Outubro de 2013. O espaço na Rua da Misericórdia manteve os traços originais: o chão em pedra com três arcos também em pedra, a que se junta uma decoração quente e moderna, com paredes em tons creme e mobiliário em madeira de um castanho achocolatado.

Todos os chocolates vêm directamente da fábrica localizada em Leça do Balio, que abastece semanalmente as diferentes chocolatarias Equador – o nome é inspirado na região onde se concentram vários países produtores de cacau. Bombons, tabletes, trufas e cacos (pedaços de chocolate vendidos a peso) são alguns dos produtos disponíveis. O segredo são as misturas, que vão desde especiarias como pimenta e caril, passando por frutas e frutos secos como framboesa, maracujá, laranja, noz, avelã, até vinho do Porto. A oferta estende-se ainda a macarons e ao chocolate quente, feito na loja ou à venda em barras para o cliente preparar em casa.

Os bombons, todavia, são os mais cobiçados, não só pela variedade de sabores mas também pelos tranfers, as capas comestíveis colocadas em cima dos bombons e que lhes conferem efeitos de cores e desenhos. “O facto de o cacau ser muito bom e de termos o fabrico próprio aliado a esta apresentação é o que nos faz ter o sucesso”. Para a directora da loja, o aspecto, seja dos chocolates em si seja da embalagem ou papel que os envolve, é extremamente importante: “Há pessoas que são capazes de escolher uma variedade só por causa do transfer. Mudámos agora um papel das tabletes de chocolate de leite e os clientes não gostam, portanto vamos já voltar ao anterior”.

Dada a sua localização, esta é uma chocolataria que atrai sobretudo turistas, algo que não acontece no Porto. “70% dos nossos clientes são turistas. Temos o Conservatório, escolas de música e a Faculdade de Belas-Artes, daí haver também muitos estudantes”. E para chegar a um público ainda mais diversificado, a chocolataria pretende estabelecer parcerias com hotéis, para que disponibilizem chocolates de oferta aos hóspedes.

O factor turístico desta zona lisboeta foi também tido em conta pela Arcádia, marca de chocolates que data de 1933 e também originária do Porto (ver texto das págs. 30-33)), e que tal como a Equador também abriu uma loja na Rua da Misericórdia. “Quisemos ir ao encontro deles”, refere Paulo Perdigão, responsável pelas lojas em Lisboa.

O modo de fabrico é o mesmo há mais de 80 anos. “Os chocolates continuam a fazer-se como em 1933 e apenas com os avanços tecnológicos que nos foram impostos. O trabalho continua a ser artesanal”, explica Paulo Perdigão. Actualmente, a Arcádia fabrica cerca de 70 tipos de bombons. Há os clérigos (bombons de canela e gengibre, em homenagem à Torre dos Clérigos), línguas de gato dos três tipos de chocolate, bombons em forma de flores e de corações ou com vinho do Porto – muito apreciados pelos turistas.

Sendo muito ligada à cidade Invicta, a marca espera que a expansão traga outros horizontes. “No Porto, todas as pessoas vão à Arcádia porque faz parte da cidade. A nossa intenção é que passe a fazer parte da cultura portuguesa”, acrescenta.

Iguarias de São Tomé

A história da Claudio Corallo não começa em Portugal, nem com o chocolate. Claudio e Bettina Corallo chegaram à actual República Democrática do Congo nos anos 80 e ali estiveram duas décadas a cultivar café. A insegurança levou-os a sair primeiro para Florença, onde abriram uma torrefacção. “Na altura, nem eu nem o Claudio queríamos ficar na cidade, então decidimos ir para São Tomé e Príncipe, onde ainda hoje temos uma plantação de cacau na ilha do Príncipe e uma de café em São Tomé”, conta Bettina.

Da plantação de cacau ao chocolate foi um salto: “Começámos a fazer o chocolate para aperfeiçoar a primeira fase de transformação do cacau. Fizemos experiências na nossa cozinha e chegámos ao chocolate. As pessoas gostavam e começámos muito rapidamente a vender. Depois surgiu a ideia da loja em Lisboa”. Uma ideia que se concretizou em Junho de 2008, num espaço localizado no Príncipe Real, onde dão a conhecer o chocolate e o café produzidos em São Tomé e Príncipe. A Claudio Corallo prima pela simplicidade e discrição, e vende o chocolate tal como ele é, sem adornos.

O chocolate, enviado em barras da ilha do Príncipe, é trabalhado na cozinha e depois cortado às tiras para ser vendido ao quilo. As barras têm entre 75% e 100% de cacau, são vendidas simples ou com outros ingredientes, que vão desde pimenta e flor de sal a sésamo, amêndoas, avelãs do Piemonte, café, laranja da Calábria ou gengibre. Depois há brownies e chocolate quente, favas torradas e sorvete de cacau. “Na maioria das outras lojas, as coisas já chegam feitas. Nós fazemos chocolate fresco todos os dias. As pessoas acabam por voltar, não só porque é um chocolate puro mas também porque gostam do atendimento”, refere Bettina.

O que também distingue esta chocolataria familiar – além do casal, os três filhos estão envolvidos no projecto – das demais é a ligação do chocolate com o café. “O café combina muito bem com chocolate. Nós fazemos o chocolate com café moído: torramos o café aqui, moemos e inserimos ao chocolate na temperagem”.

Não muito longe da Claudio Corallo, em São Bento, encontra-se a Denegro. Actualmente sob a alçada do chef António Marques e da sua mulher, Cristina Poças, esta chocolataria começou pelas mãos de outro casal que, ao chegar à reforma, decidiu apostar no chocolate. Devido a dificuldades técnicas, o casal entrou em contacto com o chef, que é também embaixador da marca de chocolate belga Callebaut e fornecedor da Denegro. Em 2011, António Marques tornou-se sócio do espaço, que mudou de Telheiras para a Rua de São Bento.

Ali, a cozinha está à vista de todos, com a maquinaria e os vários moldes. Mas é praticamente impossível desviar o olhar dos bombons, tal é a variedade de formatos e de cores.

Dois anos depois da aquisição do novo espaço, o chef e Cristina Poças compraram a restante sociedade ao casal Coelho. “Começámos a criar cada vez com mais técnica e a surpreender com sabores. Fizemos isto com tanto carinho que começámos a ter muito sucesso”, explica António Marques. Sucesso que se traduziu numa oferta de bombons com 25 sabores diferentes, entre os quais framboesa e champanhe, lima, alfazema e mel, cardamomo, azeite extra-virgem e até wasabi, um ingrediente japonês ultra-picante.

Bombons com vivências

Na Denegro são confeccionados à mão, por semana, entre 8 e 10 mil bombons. “Os moldes podem ter formatos diferentes, pode-se trabalhar com várias cores e com várias técnicas de aplicação das cores e até podemos ter moldes com um formato que tenhamos pensado”, o que permite criar uma capa mais dura e um recheio mais cremoso ou até liquido no seu interior. Os recheios estão a cargo de António Marques. Para este trabalho, o chef isola-se na cozinha, onde passa várias horas a trabalhar nos sabores, baseando-se não só em experiências do seu dia-a-dia mas também das suas memórias da infância. “As minhas vivências estão muito presentes nos meus bombons. Queria ter bombons de chocolate que me relembrassem tudo aquilo que vivi na infância. Queria algo original e atraente, com sabores que mexessem comigo. Eu sou guloso e isso ajuda-me”. Exemplo disso é o bombom fumado, com um travo a fumo e lareira. “Associo àquele cheiro da lareira, dos enchidos, e decidi fazer um bombom de fumo. Nesta altura é muito agradável”.

Na loja, é possível consumir os vários bombons individualmente ou com um café. “Tanto jovens como pessoas com mais idade vêm propositadamente porque têm direito a um café com um bombom”. Há ainda a possibilidade de comprá-los para levar: os bombons são escolhidos pelo cliente consoante os que há disponíveis, sendo depois colocados em requintadas caixas. “Para nós, os bombons são como se fossem diamantes, portanto temos de embrulhá-los em caixas a condizer”.

Desde Junho do ano passado, a Denegro tem uma parceria com a TAP, o que lhe permite chegar a um público internacional. Nos voos intercontinentais os seus bombons são oferecidos com o café.

Prendas acessíveis

A Nella’s Chocolatier nasceu quando uma reestruturação na empresa onde Manuela Teixeira trabalhava a deixou desempregada. “Pensei que devia direccionar-me para alguma coisa de que gostasse e que trouxesse alegria às pessoas. Li um artigo sobre uma senhora nos EUA que iniciou este trajecto na área dos chocolates e houve qualquer coisa que despertou em mim”. Se inicialmente o chocolate era um hobby que fazia em casa, rapidamente se apercebeu de que não tinha condições para fazer algo sério sem um espaço de trabalho.

Manuela Teixeira fez vários cursos ligados ao chocolate, nomeadamente com o chef António Marques. Recebeu fundos do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e no dia 19 de Outubro abriu a Nella’s Chocolatier. Na loja, localizada perto da Biblioteca de Telheiras, tem uma cozinha para produzir os seus bombons e um balcão para expor os produtos. Além dos vários chocolates confeccionados por si – bombons com sabores de fruta, piri-piri, caramelo ou trufas – também vende bebidas como chocolate quente, licor, café e chá, e ainda caixas, que tanto podem servir para colocar os chocolates como para jogos de grupo. “Quero que isto se torne uma lojinha para prendas acessíveis que podem ou não combinar com bombons”, refere a proprietária.

Manuela sabe que correu um risco ao avançar com o seu projecto num momento tão difícil para o país. “Eu coloquei aqui a minha vida e obviamente não quero fechar ao final de uns meses”. Para o negócio se manter de vento em poupa, tenciona diversificar a oferta, introduzindo, no Verão, produtos mais adequados à época, como gelados. A expansão para outras lojas vai depender do mercado e dos clientes: “Para já, não posso perder o foco, e o foco é que isto seja rentável e dê para continuar. Isto não quer dizer que não venha a ter outros pontos de venda. Os clientes é que ditam isso, nós dependemos sempre deles”.

rita.porto@sol.pt