FMI e UE não se entendem sobre Portugal

“Eles não se entendem, passam a vida a discutir”. Este era o desabafo ao SOL de um membro da equipa que acompanhava a troika em Portugal ainda o programa ia na sua segunda avaliação, em 2011. Mas se as divergências entre o FMI e a Comissão Europeia na condução do resgate existem desde o primeiro…

Os documentos da 10.ª avaliação a Portugal, realizada em Dezembro e divulgados na semana passada, revelam duas instituições com discursos bastantes divergentes no tom, na avaliação do sucesso das políticas e na identificação dos riscos futuros.

O relatório do FMI surpreendeu com o cepticismo face ao discurso de sucesso que vinha sendo difundido pelo Governo e por Bruxelas nas últimas semanas, a escassos meses do fim do programa português.

Os técnicos da organização salientaram que a recuperação da economia em 2013 se fez à custa do consumo privado depois de as famílias terem deixado de poupar e, ainda, a factores temporários nas exportações (mais turismo e venda de combustíveis). “As reformas implementadas até agora poderão não ser suficientes para criar um modelo exportador sustentável”, lê-se no relatório.

Mas o FMI lançou uma mão-cheia de recados: o consenso político com o PS é obrigatório para o pós-troika, o desemprego está em níveis “inaceitáveis” e deverá permanecer assim até 2019. Se Portugal tem feito progressos “notáveis”, os riscos são igualmente “extraordinários”: taxa de desemprego jovem de 37%, a dívida externa e das empresas “perigosamente” elevada e o investimento escasso são factores que ameaçam a capacidade de crescer no futuro.

E o crescimento é a chave para resolver um dos maiores problemas do país: “É crítico para a sustentabilidade da dívida pública”, alerta o FMI. Pela primeira vez, um dos credores aponta a deflação (descida dos preços) como um risco sério para a economia portuguesa – o país teve a inflação mais baixa da Zona Euro no final de 2013.

O tom da Comissão Europeia é mais ameno do que o do seu companheiro na troika. Bruxelas não refere temas como o consenso político, a deflação ou a fraca sustentabilidade do crescimento da economia no ano passado. Embora a situação económica permaneça “frágil” e os riscos sejam “significativos”, não são apontados riscos específicos no desemprego, apenas que “ainda é cedo” para saber se a descida recente deste indicador se deveu às reformas introduzidas.

Ao nível das políticas as diferenças são igualmente notórias. Por exemplo, o FMI inverte o discurso da redução dos salários dos últimos dois anos e refere que o ajustamento “não deve cair demasiado sobre os custos do trabalho”, devendo deve ser contrabalançado em áreas como as rendas e a concorrência. Já a Comissão Europeia adianta que os salários devem descer entre 2% a 5% em Portugal.

Ambas as instituições não deixaram qualquer linha escrita sobre a saída de Portugal do programa. Um programa cautelar ou uma saída limpa à irlandesa não constam das mais de 100 páginas de cada relatório.

luis.goncalves@sol.pt