O ‘herói-surpresa’ era Portugal, porque no último trimestre de 2013 conseguiu o maior crescimento da Zona Euro, ultrapassando mesmo o da Alemanha.
No meio de encómios ao país, o artigo não deixava entretanto de referir que o Programa de Ajustamento deixou «um rasto de devastação», «dezenas de milhares de pequenas empresas faliram», «as desigualdades agravaram-se», «os salários e as pensões encolheram», o desemprego de longa duração «enferrujou» muitos cidadãos, e «200 jovens licenciados ou não licenciados saem diariamente de Portugal».
O jornal terminava dizendo que «os melhores juízes sobre se as mudanças alcançadas valeram o preço a pagar são os que se viram obrigados a deixar o país».
Poucos dias depois, a imprensa noticiava que Fernando Tordo deixara Portugal «cansado», só com uma mala e uma viola às costas, emigrando para o Brasil.
E o filho, o escritor João Tordo, publicava um amargurado texto onde dizia que «os governantes se preparam para anunciar contentíssimos que a crise acabou mas se esquecem de dizer o que acabou com ela». E enumerava o que, segundo ele, ‘acabou’: a cultura, a felicidade, a esperança, o seu pai e outras pessoas que «se recusam a ser governadas por gente que fez tudo para dar cabo deste país».
Respeito e admiro Fernando Tordo, pertenço à sua geração, vibrei com a Tourada e com o Cavalo à Solta, lamento a sua inesperada decisão de emigrar para o Brasil.
Mas a pergunta que faço ao filho, que deve ter mais ou menos a idade dos meus filhos, é a que fazia a estes quando eram mais novos.
Sempre que, na sua irreverência adolescente, recalcitravam contra uma qualquer decisão minha que eu considerava importante, perguntava-lhes: «Qual é a alternativa?».
A maior parte das vezes, a polémica ficava por aí.
Eles discordavam da decisão, mas não arranjavam proposta melhor.
Aquestão que se coloca relativamente à austeridade é a mesma: qual era a alternativa?
O país chegou a uma situação em que não tinha dinheiro para nada e em que no mercado livre já só lhe faziam empréstimos a juros altíssimos.
Foi por isso obrigado a pedir ajuda externa – pedido que foi feito por um Governo do PS e posto em prática por um Governo do PSD e CDS.
Essa ajuda implicou naturalmente garantias, como sucede em qualquer empréstimo.
Os credores queriam assegurar-se de que o dinheiro emprestado serviria para alguma coisa, e que, no fim da ajuda, Portugal conseguiria voltar a financiar-se por si.
Penso que toda a gente percebe isto.
É inútil discutir se o Governo foi ou não foi ‘além da troika’, como dizem alguns.
Eu acho que não foi, pois os défices foram sempre revistos para cima, suavizando-se os cortes de despesa no Estado.
Além disso, sabe-se que a troika queria um ajustamento maior nas pensões e o FMI defendia (e defende) uma nova redução dos salários.
De qualquer modo, a tolerância dos credores em relação às metas aconteceu porque Portugal foi respeitando, no essencial, os compromissos assumidos.
E desse modo foi recuperando a credibilidade internacional e a confiança dos mercados, ao ponto de poder provavelmente voltar a financiar-se no mercado livre, assim que terminar o Programa de Assistência.
Os juros da dívida regressaram aos valores de 2008, ou seja, aos números anteriores à crise.
O desemprego inverteu a tendência de subida, a economia cresceu mais do que se esperava, fazendo de Portugal o tal ‘herói’ de que falava o Financial Times.
Claro que não pode esquecer-se aquilo que a crise destruiu.
Mas volto a perguntar: qual era a alternativa?
Há quem diga que seria melhor não ter feito nada.
Mas seria possível?
Antes da crise, a dívida externa portuguesa (que inclui as dívidas todas, das empresas às famílias) estava a crescer assustadoramente, a dívida do Estado idem, o défice comercial a mesma coisa.
O país era um carro que seguia a alta velocidade em direcção a uma parede.
E, ou travava, ou chocava contra a parede.
Travar significava reduzir o consumo, baixar salários e pensões, numa palavra, passar a viver com menos.
«Empobrecer», como disse um dia Passos Coelho.
Não travar significaria ir contra a parede – e aí os cidadãos não perderiam dez ou vinte por cento dos seus rendimentos: perderiam cinquenta por cento ou mais.
E essa perda ocorreria de forma descontrolada.
Era esta ‘a alternativa’ que existia.
Não acredito, entretanto, que esta perda de rendimento de muita gente se tenha traduzido no ‘fim da felicidade’.
Muito menos acredito que tenha significado o ‘fim da esperança’.
Voltando a Fernando Tordo, na época em que este cantava a Tourada em Portugal o meu pai estava exilado no estrangeiro por razões políticas.
E não era por isso que se dizia infeliz.
A felicidade e a esperança não estão fora de nós – estão dentro.
Respeito ao máximo os que não têm trabalho – pois isso coloca as pessoas numa situação de inferioridade social, além de económica.
Quanto aos que perderam rendimentos, isso resulta de uma obrigatória aproximação à realidade de um país que estava a gastar muito acima daquilo que produzia.
E essa situação é que comprometia todas as esperanças no futuro.