‘Passámos da cultura de cozinhar para a de comer’

David Lopes é presidente da divisão Internacional da Daymon, uma das maiores multinacionais especializadas em marcas próprias tem um centro de desenvolvimento em Portugal. Para a Daymon, o futuro passa por novos produtos de refeições.

Quais são as tendências no desenvolvimento das marcas próprias?

Em Portugal ainda ouvimos falar de marca branca, que tem a ver com um fenómeno da década de 80, quando o Pão de Açúcar lançou produtos com embalagens brancas e só diziam o tipo de conteúdo. Eram uma espécie de genéricos, muito básicos. Hoje temos marcas próprias muito mais caras do que as da indústria. As projecções mostram que as únicas que têm espaço para crescer são as premium, líderes da indústria, e as da distribuição. As outras estão a tornar-se irrelevantes, porque não se diferenciam.

Como é que as marcas da distribuição conseguem ser mais competitivas do que as de fabricante?

As margens são mais pequenas. Se um retalhista for bem sucedido a criar produtos que atraiam o consumidor à loja, gerando vendas, pode baixar a margem unitária porque vai vender mais quantidade. Também tem a ver com as margens diferentes de cada produto e de haver uma combinação muito bem feita na gestão de preços. A separação entre marcas de distribuição e de fabricante faz cada vez menos sentido.

Uma marca de retalhista pode ser global, como uma Coca-Cola?

Sim. A australiana Woolworths vende as suas marcas próprias em 50 países.

Há categorias de produtos, como as cervejas, em que a marca própria dificilmente entra. Porquê?

Como são produtos muito emocionais, muito ligados ao momento do consumo e não só à funcionalidade do produto, uma marca de supermercado pode não ser o melhor caminho.

Mas também estão a entrar em novas categorias como as máquinas de café ou robots de cozinha.

É inovação. A área de maior futuro para as marcas dos retalhistas é a das soluções de refeições, saladas, take-away, de que todos precisamos. Também é a expressão da mudança mais significativa na nossa cultura alimentar: passámos de uma cultura de cozinhar, que é a dos nossos avós e dos nossos pais, para uma cultura de comer. Continuamos a saber o que é bom, mas já não somos capazes ou já não temos vida para o fazer. Não é por acaso que surgiu este fenómeno dos cozinheiros e dos programas de TV. Nesta nova cultura, pode sempre inovar-se mais nas soluções de marca própria. A nutrição e procurar novos alimentos saudáveis também é importante.

Em 2013, a marca própria decresceu. Como poderão vender mais?

Oferecer novas categorias e serviços. Fazer co-branding, ou seja, ter produtos que têm a marca da indústria e do retalhista associadas, por exemplo, uma pizza Pingo Doce com queijo Pastor. Aliar produtos a causas, à responsabilidade social.

Como é que a demografia, a longevidade e os novos tipos de famílias influenciam novos produtos?

Existe uma necessidade de pensarmos os formatos dos produtos, a dimensão e peso das embalagens, a informação no rótulo, os ingredientes. Os mais idosos precisam de saber que produtos consomem, por serem grupos de risco. Também há mais pessoas a viverem sozinhas, famílias monoparentais ou sem filhos, e tudo isso influencia as doses, até para evitar o desperdício.

ana.serafim@sol.pt