“Os cossacos são um povo que pertence à Europa em termos da fé e da geografia, mas são, ao mesmo tempo, totalmente asiáticos no seu modo de vida, nos costumes, no vestuário. São um povo em que se juntaram estranhamente, duas partes do mundo, dois espíritos diferentes, a prudência europeia e o abandono asiático, a simplicidade e a manha, o sentido da actividade e o amor da preguiça, um impulso para o progresso e a perfeição e outro equivalente para desdenhar qualquer melhoria”.
Para Gogol só os cossacos, ou alguém como eles, seriam capazes de sobreviver nesta terra perigosa e romântica.
Isto pode ajudar a entender o dilema actual da Ucrânia, fronteira entre o Oriente e o Ocidente, posta agora perante uma escolha identitária: Europa ou a Ásia? União Europeia ou Comunidade Euroasiática?
Com o fim da União Soviética, a política americana projectou uma espécie de anel de controle da Rússia, empurrando a NATO até às suas portas. Essa fronteira veio localizar-se na Ucrânia, fomentando a divisão em linhas territoriais, uma pró-Europa e outra pró-Rússia. E escalou, nas últimas semanas em Kiev, na contestação contra o Presidente Ianukovich, que terminou com a sua fuga.
Não era o que estava, até há pouco, em cima da mesa. Moscovo parecia não se sentir ameaçado pela negociação de Kiev com Bruxelas. Mas, bruscamente, tudo se precipitou com a escalada da violência e a queda do Presidente pró-russo, com as reacções de Moscovo e as respostas dos europeus e dos norte-americanos.
Putin, que recentemente afirmou que a Rússia estava disposta a ser uma referência dos ‘valores tradicionais’ contra a ‘decadência dos ocidentais’, não quer nem pode perder a face neste braço-de-ferro. A decisão de enviar tropas para a Ucrânia mostra-o pronto a assumir riscos, mesmo que calculados. A incidência na Crimeia, área russófona e lugar das bases navais da esquadra russa do Mar Negro, reforça e torna mais fácil uma intromissão que, entretanto, parece desnecessária, pois há um acordo de aluguer que a Ucrânia quer respeitar.
O novo Governo da Ucrânia quer manter uma linha de equilíbrio: a coligação dominante no Parlamento definiu a unidade e integridade territorial do país, apontou para a integração europeia como meta, mas ressalvou enfaticamente as boas relações com a Federação russa.
Estas posições têm vindo a ser também definidas e defendidas em Lisboa pelo embaixador Oleksandr Nykonenko, um diplomata lusófono, que conhece bem Angola e Moçambique e se tem esforçado por representar os interesses do seu país e tranquilizar a numerosa comunidade ucraniana em Portugal.