A atmosfera é escura, sombria. Quando a campainha toca não se vê a mulher. Mas é possível ouvi-la a esconder uma criança. A partir do momento em que franqueia a porta a estes instaladores (um burocrata e um proletário), a escalada de medo aumenta, por directiva governamental. A ideia é que fique paralisada por esse medo, o medo do que não conseguimos controlar. “O que fazemos quando não conseguimos ver a saída? Ficamos paralisados. Não há dinheiro. Os cofres estão vazios. Provavelmente vamos ter que vender as reservas de ouro, os dedos, os anéis”, assustam-na, à vez e em coro, os homens.
Diogo Dória, José Artur Pestana e Joaquina Chicau interpretam estas personagens em crescente tensão num texto que Listopad quis levar à cena pela sua dimensão combativa. “Quando li o livro achei que o seu ideograma, a sua ideologia, a sua maneira de dizer coisas terríveis que tocam algo de grotesco – que faz parte do nosso quotidiano -, mereciam uma adaptação. Rui Zink é um autor que sigo desde há muito tempo, é um amável cínico, um aventureiro de coisas artísticas”, conta o encenador checo, que salienta que, por ter apenas três personagens, o texto “é perfeito para um teatro de pechincha”.
O cenário, no subsolo, considera Listopad, é ideal, não só por fazer o espectador sentir-se em casa e, ao mesmo tempo, desconfortável, como por ser, como o medo, subterrâneo. “O medo vem de baixo. E nós estamos debaixo de outro teatro, ouvimos passos em cima, a pisarem sobre nós”. Escrito há mais de dois anos, continua o texto actual? “O medo já está instalado. Tão instalado que agora durante uns tempos, como se aproxima a Páscoa, até nos podem instalar a esperança”, ironiza Rui Zink. Diz Listopad: “Se eu ainda viver dez anos em Portugal apanho o medo. Mas esse medo não é fabricado em Portugal. É fabricado internacionalmente”.