Rui Simões quis contar a sua história e a de uma dezena de pessoas – entre milhares – que há quase 50 anos decidiram sair de Portugal por discordarem da guerra em África, nas ex-colónias portuguesas.
Em entrevista à Lusa, o realizador afirmou que continua a ser um tabu falar dos “cem mil portugueses que se recusam a fazer a guerra. E não é por se terem recusado a fazer a guerra, uma guerra colonial, que devem ser tratados como traidores da pátria ou como gente que não merece o respeito dos portugueses”.
“Guerra ou paz”, que estreia a 04 de Abril na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, regista o testemunho de portugueses e angolanos que procuraram asilo fora dos seus países de origem, por se oporem ao Estado Novo, à ideologia de Salazar, à política colonialista.
Entre os entrevistados estão o arqueólogo Cláudio Torres e a mulher, Manuela Torres, o músico Luís Cília, o cartoonista Vasco Castro, o sociólogo João Freire e o professor universitário angolano Arlindo Barbeitos.
Recordam como saíram do país, para onde foram, como viajaram, os motivos da saída, o que pensam ainda hoje sobre a guerra e o que está por fazer e reflectir.
Há ainda um depoimento do ensaísta Eduardo Lourenço, num enquadramento sobre Portugal, excertos de discursos de António de Oliveira Salazar e ainda a leitura de uma carta ao primeiro-ministro, assinada pela jornalista e activista Myriam Zaluar.
Foi a partir desta carta, partilhada por Myriam Zaluar há uns anos nas redes sociais, que Rui Simões decidiu fazer o documentário.
Na carta, Myriam Zaluar resume a história da família – que saiu do país durante o Estado Novo – e a sua actual condição precária, num tempo em que os portugueses são novamente obrigados a emigrar.
Antes de “Guerra ou paz”, Rui Simões já tinha mergulhado na recente História de Portugal para fazer dois documentários históricos: “Deus, Pátria, Autoridade” (1976), que aborda os 48 anos do regime de Salazar até ao 25 de Abril de 1974, e “Bom povo português” (1980), sobre a situação política e social entre 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975.
Há uma “hipocrisia da gestão do ser português. Este debate não vem ao de cima, porque os políticos não deixam e a sociedade civil não se interessa muito; cria problemas e o português gosta de viver sem problemas”, afirmou o realizador.
“Guerra ou paz” está pronto há dois anos, esteve na gaveta – porque “nenhum festival quis o filme, ninguém se interessou” – mas permanece actual, tendo agora uma efeméride ancorada: os 40 anos da revolução de Abril de 1974.
Rui Simões, que diz não ter mais nada a dizer – cinematograficamente – sobre o 25 de Abril, andará com o documentário “Guerra ou paz” em itinerância pelo país, mostrando-o aos espectadores portugueses, porque este é um filme que, argumenta, não consegue chegar ao circuito comercial.
Em Abril, depois da Cinemateca, o documentário será exibido em Abrantes (dia 11), Barcelos (dia 17), Viseu (dia 22), Aveiro (dia 24) e Viana do Castelo (dia 25). Será mostrado também em Santarém, a 07 de Maio.
Está prevista também uma edição em simultâneo em DVD, com testemunhos adicionais de outros portugueses que se exilaram.
Lusa/SOL