Clã: ‘Um disco mais filosófico e poético’

Ao sétimo álbum de estúdio, a sonoridade dos Clã – que alternam baladas com canções mais rock e outras com predomínio dos teclados e da electrónica – mantém-se, bem como o cuidado com as letras, entregues, entre outros, aos repetentes Carlos Tê e Sérgio Godinho e aos novos colaboradores Nuno Prata e Samuel Úria. O…

Quando é que começaram a pensar neste disco?

Manuela Azevedo (MA): Foi um processo longo. As primeiras músicas que o Hélder compôs especificamente para este álbum surgiram no final de 2012. Fizemos uma selecção e mandámos duas mãos cheias para os letristas. Em 2013 aproveitámos para rodar as canções ao vivo e fomos desenhando o que seria o Corrente, que se fechou no final do ano passado.

A música surge sempre primeiro do que a letra?

MA: Pela primeira vez isso aconteceu em quase todas as canções (a excepção foi ‘Rompe o Cerco’, primeiro avanço do álbum, lançado em Novembro). Mas, por exemplo, o Tê não gosta de escrever para uma música específica e, ainda para mais, fazemos letras temporárias, quase sempre em inglês. Em vez de gravar ‘lá lá lá’ ou trautear, roubámos letras ao Tom Waits, ao Elvis Costello e ao David Byrne e mandamos canções quase acabadas. Ele liga-se quase afectivamente à fonética e depois tem dificuldades em substituí-las… (risos)

Partiram para o disco com alguma ideia específica?

Hélder Gonçalves (HG): Há sempre uma reacção ao disco anterior (Disco Voador, lançado em 2011 e pensado para um público infanto-juvenil). No início tinha a intenção de fazer uma coisa um bocado mais crua e rock e acho que isso acabou por se reflectir, mas no meio do processo muitas das canções não ficaram com esse timbre.

O disco mostra várias facetas, desde a energia rock de ‘Rompe o Cerco’ até ao apelo mais radiofónico de ‘A Paz Não te Cai Bem’ – uma canção que só poderia ser dos Clã – e o intimismo de ‘Quase um Quasar’. Ao mesmo tempo, parece perfeito para ser tocado ao vivo…

HG: Tem sido fácil adaptá-las. Tocamos tal como gravámos e fica muito parecido. Para o disco também gravámos todos juntos, ao vivo, depois escolhemos os melhores takes e trabalhamos em cima deles. Às vezes, não mexemos em quase nada.

O facto de este disco ser uma edição própria é entusiasmante pela liberdade que dá ou traz algum receio?

MA: O Disco Voador já foi uma edição de autor, mas agora já não há mesmo contrato. Para já tem sido mais assustador, porque de repente temos de fazer coisas para as quais não estamos preparados. Por outro lado, a indústria discográfica está perante uma realidade completamente nova e nesse aspecto estamos a par, porque ninguém sabe bem o que fazer. Foi uma decisão que implica risco e investimento (o álbum foi gravado no estúdio caseiro de Hélder Gonçalves e Manuela Azevedo), mas temos tido muitas ajudas, até da editora antiga (a EMI). Por outro lado, sermos donos do que fazemos também sabe muito bem.

A desmaterialização da música, que hoje será consumida maioritariamente via internet, não vos fez pôr em causa o conceito de álbum?

MA: Essa foi a primeira questão existencial. Fiquei cheia de dúvidas e muito angustiada. Achava que as pessoas não queriam saber muito de música e ainda menos de álbuns. Questionei tudo e não sabia se valia a pena investir tempo e dinheiro em algo que não vende, mesmo digitalmente. Mas, que outra forma há? Ainda nos é quase inevitável pensar numa nova fase a partir de um corpo de canções.

HG: Além dos meios tradicionais, sabemos que há um meio digital que tem de ser trabalhado complementarmente… Aliás, se calhar o tradicional é que passa a ser complementar. As editoras estão muito atrasadas e queixávamo-nos muito disso. Não somos propriamente experts e nunca fomos uma banda muito ligada à internet, mas é um meio interessante para o qual não queremos olhar só promocionalmente, mas também criativamente.

É curioso perceber que nunca foram uma banda política, mesmo perante um momento de crise como o actual…

MA: Não só temos opinião como mesmo as canções mais improváveis podem ter leituras políticas. Mas acho que o próprio Disco Voador era mais político, porque abordava temas fracturantes sobre identidade sexual, direitos dos animais… No geral, prefiro coisas mais subliminares.

HG: Não gosto da atitude ‘o Governo está mal, vamos fazer uma canção’. Não tenho paciência, é difícil fazer bem e é aborrecido de ouvir. Na construção deste disco atravessámos um período atribuladíssimo, económica e politicamente, mas fizemos um esforço para não pensar muito na situação do país, porque assim limitas a tua arte a um acontecimento exterior. Estamos contentes por estar no meio do turbilhão, que também é difícil para nós, e conseguirmos sair dele com um disco com uma qualidade mais filosófica e poética.

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