Emigrar em nome do português

A actriz norte-americana Kristin Scott Thomas, a candidata às presidenciais francesas de 2007 Ségolène Royale e Trudy Styler, a produtora cinematográfica – mais conhecida por ser a mulher do cantor Sting -, são apenas alguns dos exemplos de mulheres que, na sua juventude, trabalharam como au pair.

Esta palavra de origem francesa designa uma jovem (a grande maioria são raparigas) que vai viver para casa de uma família no estrangeiro, durante um determinado tempo, para tomar conta de crianças em troca de casa, comida e ordenado.

Um termo que remonta ao século XIX – usado pela primeira vez pelo escritor Honoré de Balzac -, e que significa ‘igual a’, uma vez que o tipo de relacionamento deverá assemelhar-se ao de um membro da família, ainda que temporariamente, adianta a Wikipedia.

Tal como explica o site Au Pair World, estas raparigas não são nem babysitters nem empregadas domésticas – ainda que possam ajudar na lida da casa. O principal objectivo é que haja uma troca cultural entre ambas as partes, uma vez que, de um modo geral, a nacionalidade da au pair é tida em conta aquando da sua selecção.

Foi o caso de Catarina Pyrrait, que aos 21 anos se mudou de armas e bagagens para uma pequena vila perto de Birmingham, no Reino Unido. Em troca de casa, comida e um ordenado de 400 euros, cuidou durante seis meses de Lily, com cinco anos, e Olivia, de três. Os pais, Laura e Matt, queriam uma au pair portuguesa para que as filhas começassem a ter contacto com a língua, uma vez que têm casa no Algarve.

A trabalhar como babysitter desde os 16 anos, acabada de sair da faculdade e sem planos para o futuro próximo, Catarina viu no trabalho de au pair a oportunidade de crescer. “Um pouco por desespero de não saber o que fazer, por ter achado graça à ideia de ir aprender inglês e por ser uma experiência tanto a nível profissional como pessoal, aceitei ir”.

Conheceu a família pela primeira vez através do Skype, e só depois pessoalmente, deslocando-se à casa de férias no Algarve, em finais de Agosto. Um mês depois, estava a aterrar no aeroporto de Londres – a viagem foi paga pela própria, ao contrário do que é habitual nestes trabalhos.

Aos poucos, começou a fazer o trabalho acordado com a família: levantava as miúdas, dava-lhes o pequeno-almoço, vestia-as e levava-as para a escola no carro da família. Da parte da tarde, ia buscá-las para as levar às actividades extracurriculares e quando no regresso a casa, ajudava-as nos trabalhos, dava-lhes o jantar e vestia-as para irem dormir. “Rapidamente tornei-me um membro da família”.

Apesar de nunca ter havido quaisquer directivas por parte dos pais, Catarina aproveitava os momentos que estava com as crianças para ir falando em português, ensinando-lhes algumas palavras e expressões através de jogos. “Quando me vim embora, a Lily já sabia apresentar-se em português”, conta orgulhosa, ainda que a aprendizagem tenha sido mútua: “Foram as miúdas que me ensinaram a dizer cócegas em inglês”.

A difícil relação com as mães

Mas à medida que o tempo foi passando, os conflitos começaram a surgir. Segundo a au pair, para além do pouco apreço pelo seu trabalho, começaram a ser notórias algumas faltas de consideração por parte da mãe das crianças: eram constantes os esquecimentos de pedidos que a au pair lhe fazia quando ia ao supermercado, passava o tempo a ler o jornal quando estavam apenas as duas a almoçar, chegando mesmo a dizer-lhe que o queijo das crianças era demasiado caro para Catarina o estar a comer, entre outras situações.

A matriarca da família foi-se tornando cada vez mais fria e distante. “Quando faço babysitting em Portugal, dou-me sempre melhor com as mães, mas neste caso eu tinha a sensação que era transparente. A Laura nunca teve interesse em conhecer-me melhor”. Já a relação com Matt, era totalmente diferente. “Via-se que o pai queria ajudar da melhor maneira possível, dentro daquilo que a mulher permitia”.

Apesar de ter conversado com o casal e de lhes ter explicado que a situação estava a tornar-se insustentável, a mãe nunca mudou a sua atitude – até piorou – e ao fim de seis meses, Catarina voltou para Portugal. “Quando me vim embora, o único comentário que a Laura fez foi que o que a chateava era que ia perder muito dinheiro porque não ia poder trabalhar até encontrar alguém que me substituísse”.

Passado mais de um ano, Catarina olha para esta época da sua vida como algo agridoce. “Trouxe-me coisas boas como ter aprendido a falar inglês e ter conhecido o Matt e as miúdas mas foram seis meses em que estive a fazer um trabalho físico e psicologicamente muito desgastante”.

Uma experiência completamente diferente teve Mafalda do Rosário. Babysitter em Portugal há alguns anos, a primeira experiência internacional foi em Copenhaga em Outubro de 2012. Aos 22 anos, foi cuidar de Henrique, de 6 anos e Mafalda, com 2, filhos de um casal de portugueses que se tinha mudado há um ano para a Dinamarca. “Eles queriam uma au pair portuguesa não só para as crianças manterem a língua mas também porque achavam as babysitters dinamarquesas pouco calorosas”, explica.

Adaptação a uma nova cultura

Durante seis meses e por 700 euros mensais, a au pair ficava com a filha mais nova durante o dia, dava ‘um jeito’ à casa enquanto o mais velho estava na escola. Da parte da tarde, ia com Mafalda buscar Henrique à escola e voltava para casa para lhes dar banho e vestir-lhes o pijama. “Eu dava-me bem com as crianças mas não era fácil levar a Mafalda num carrinho pela neve, ir com ela de comboio para ir buscar o irmão à escola, e isso tudo com temperaturas negativas”.

Com o regresso dos pais a casa, Mafalda tinha o resto do dia para fazer o que quisesse. Inscreveu-se no site Couchsurfing e “ia beber café com algumas pessoas para não estar sempre em casa”, até porque partilhava o quarto com uma criança de seis anos.

Mas viver em Copenhaga implicou uma adaptação à mentalidade e cultura dinamarquesa. “Em Copenhaga, as crianças não podem chorar senão chamam a Polícia porque acham que alguém lhes está a fazer mal. E o mais velho, como tinha noção de que não podia chorar, aproveitava para fazer chantagem, por exemplo, calava-se em troca de chocolates”.

Mafalda manteve sempre uma óptima relação tanto com as crianças como com os pais, que respeitavam os seus dias livres e nunca a deixavam pagar nada. Ainda assim, o relacionamento com o pai era mais simples. “Não deve ser fácil ter uma miúda que não se conhece em casa e eu notava que ela me observava imenso mas nunca tive razão de queixa de nenhum dos dois”.

Ao fim de um mês na Dinamarca, veio passar uma semana a Portugal e os seus serviços acabaram por ser dispensados. Os avós maternos, de férias em Copenhaga nessa altura, decidiram mudar-se para lá e passariam a cuidar das crianças. Ainda assim, confessa: “Não sei se teria aguentado os seis meses. Não ter o meu próprio espaço e estar o dia todo em função das crianças não era fácil”.

Zurique foi o segundo destino do trabalho de Mafalda como au pair, em Janeiro de 2013 para cuidar de Inês, de dois anos. A mãe, de nacionalidade austríaca, viveu uma década em Portugal antes de se mudar para a Suíça por motivos profissionais e queria alguém que falasse português para ajudar a filha na adaptação a um novo país.

Mafalda foi contratada durante um mês e na primeira semana esteve em casa com Inês para se habituarem uma à outra e, nas semanas seguintes, começou a levá-la à escola. “No primeiro dia fiquei na escola porque as pessoas só falavam alemão e aquilo foi um grande choque. Quando começou a lá ficar o dia todo, fazia sempre birra para eu ficar até que descobri que a única maneia de me ir embora sem ela chorar, era dizer-lhe que tinha de ir rapidamente à casa de banho”, recorda com carinho.

Durante o dia, Mafalda aproveitava para conhecer a cidade e tinha os fins-de-semana livres para fazer o que quisesse, mas ressalva que a primeira semana foi um pouco complicada. “Estar o dia todo com uma criança de dois anos pode ser enlouquecedor porque não temos ninguém com quem ter uma conversa normal”.

Ao longo da sua estada, a au pair manteve sempre uma boa relação com a mãe de Inês, que se mostrou sempre disponível e grata pelo seu trabalho e dedicação. No momento da partida, foi mesmo convidada a voltar quando quisesse. “Ainda hoje falo com a mãe. Ela envia-me fotografias da Inês pelo WhatsApp e diz-me que eu tenho de voltar lá”.

rita.porto@sol.pt