A prova oral

O azeite é o único produto agrícola que tem uma prova organoléptica (sensorial) obrigatória para ser classificado. Ou seja, além da prova físico-química, que envolve mais de 48 parâmetros e que pode chegar a um custo de mil euros por lote, para classificar um azeite como virgem ou virgem extra é obrigatório recorrer a um…

O Professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA), e Presidente do painel de prova do Concurso Nacional de Azeites Virgem Extra, José Baptista Gouveia, explica: “A prova sensorial é feita por provadores treinados e seleccionados que fazem a apreciação do cheiro e do sabor dos azeites. Os resultados são dados através das medianas de três atributos, que são o frutado, o amargo e o picante. Fundamentalmente, a análise sensorial consiste em separar os azeites que têm defeito dos azeites que não têm defeito, para depois os classificarmos em função disso. No caso do ISA, o painel é composto por nove pessoas treinadas e seleccionadas, mas que não têm de estar necessariamente ligadas à área. Qualquer pessoa pode fazer um curso e depois das provas de aptidão vir a integrar estes painéis”.

A prova faz-se em taças de vidro com o azeite a 28ºC, a temperatura ideal para a libertação de determinados compostos. “A prova faz-se tal como num vinho: cheira-se, mete-se na boca e cospe-se. E não se prova azeite com pão! Se provam com pão, estão a provar o pão e não o azeite!”, brinca o professor. O próximo curso de iniciação do ISA é já dias 2, 3 e 4 de Abril. “Temos três níveis. Temos um curso de iniciação para as pessoas que se vão iniciar na prova de azeites; temos um curso de aperfeiçoamento de nível um; e um curso de aperfeiçoamento de nível dois. Neste último já fazemos algumas harmonizações gastronómicas com os azeites”.

Apesar da obrigatoriedade, a questão da prova sensorial é um tema sensível para os produtores. Mariana Matos, da Casa do Azeite, lembra: “Por mais cuidados que tenha, eu posso gostar do azeite e outra pessoa pode não gostar e, embora isso não deva interferir na análise, acaba por interferir. E isto gera problemas. Por exemplo, se um produtor de vinho colocar o seu produto no mercado e o vinho, por qualquer motivo, azedar, ele não é preso por fraude. A pessoa entende que aquilo foi resultado de uma evolução natural do produto. No azeite é logo visto como um bandido que fez uma fraude, o que para a imagem do produto pode ser devastador”.

Foi com base nestas provas sensoriais que no ano passado o azeite chegou aos telejornais brasileiros, por haver problemas com a sua classificação. “O caso do Brasil – azeite que as autoridades consideraram que não o era – tem muito a ver com a questão organoléptica. São questões de painel de teste, de prova, são coisas que danificam o trabalho que vai sendo construído, mas em termos legais depois não há concordância. Um painel diz que não, o outro diz que sim, e um terceiro diz mais ou menos. A prova organoléptica tem uma variabilidade comprovada de 30% e isto em painéis certificados. É excessivamente subjectivo. Faz sentido manter esta prova porque o objectivo é que ela valorize o produto, mas da forma como está acaba por ser um grave problema, porque pode destruir completamente a imagem de um produto, de uma origem ou de uma marca, muitas vezes sem que haja um consenso. Aquilo que se está hoje em dia a estudar é a possibilidade de haver métodos complementares, como um ‘nariz electrónico’, com determinações químicas complementares de apoio e que ajudem em caso de dúvida”, adianta Mariana.

Pedro Cruz, da Gallo, habituado a trabalhar no mercado brasileiro, defende: “Nós temos provavelmente o melhor laboratório de azeite na Europa, quer do ponto de vista físico-químico quer do ponto de vista de análise sensorial. Garantidamente, o azeite é o produto alimentar mais controlado que existe e não nos parece adequado que exista obrigatoriedade de uma prova sensorial para determinar a classificação do azeite. Em primeiro lugar, porque existe uma variabilidade muito grande nessa análise. A Associação Espanhola de Produtores de Azeite verificou que existia entre os painéis acreditados uma variabilidade de um terço! Ora, se isto é fundamental para classificar legalmente um produto, o risco é inaceitável, porque não se pode gerir um negócio quando existe um terço de probabilidade de o produto estar erradamente classificado. Além de que entendemos não ser adequado existir um padrão legal para se dizer sensorialmente aquilo que o consumidor quer”.

patrícia.cintra@sol.pt