Os horários de Ricardo Monteiro tornaram-se ainda mais complicados desde Janeiro, altura em que assumiu o cargo de presidente da Havas Worldwide, o quinto maior grupo de comunicação do mundo, com clientes como a Air France, LG, Hyundai, Danone, LVMH, Sonae, Peugeot, Citroën e McDonald’s, o que significa que é responsável “por todas as agências do grupo em mais de 75 países”.
Este cargo junta-se ao de CEO da EuroRSCG em Portugal, Espanha e Brasil, e CEO da EuroRSCG para a região ibero-americana que Ricardo Monteiro já assumia. Ainda assim, o gestor considera não haver qualquer conflito, “apenas ampliação de perímetro e, por consequência, mais trabalho e mais responsabilidade. Mas tenho também um staff mais alargado, o que permite que tudo se desenrole naturalmente”.
O convite para o cargo de presidente da Havas Worldwide não foi inesperado para Ricardo Monteiro, que há 15 anos trabalha na Havas – primeiro como CEO de Portugal, depois como director-conselheiro do Norte da Europa, depois vice-presidente europeu, CEO da América Latina e da Ibéria, vice-presidente mundial e finalmente presidente mundial de um grupo que emprega cerca de 16 mil pessoas. Números que, ainda assim, não tiram o sono a Ricardo Monteiro. “Sono é algo que, graças a Deus, nunca tive dificuldade em conciliar…”, brinca. “Obviamente, ser responsável por milhares de pessoas implica compromisso, capacidade de trabalho, muita entrega e a noção exacta da responsabilidade que tenho perante empregados, clientes e accionistas, nessa ordem. Exige também conhecer quais as matérias prioritárias que requerem a minha atenção, das muitas que se cruzam nos mais de 200 emails que recebo por dia. É preciso aceitar que o mundo literalmente não dorme e que, às vezes, é necessário uma conference call às 6 da manhã ou às 11 da noite. Finalmente, é preciso ter uma família e uma mulher que me aceitem e suportem no muito que tenho que trabalhar as 18 horas que estou acordado por dia”.
Este suporte, aliás, é crucial para o sucesso do gestor. “É importantíssimo que a mulher ao nosso lado seja cúmplice sem perder o sentido crítico para nos guiar e trazer sempre ao bom caminho. Tive essa sorte com a Leonor, minha companheira há mais de 31 anos e mãe dos meus quatro filhos”.
Ricardo Monteiro nasceu na Covilhã, filho de um industrial têxtil e “viajante nato”. “O meu pai era curioso e dizia sempre que quem falasse línguas teria um bom futuro. Reconhecer-lhe-ei sempre essa clarividência”. Por isso mesmo, estudou Administração Pública e Relações Internacionais, na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. “Queria ser diplomata. Não deu, saiu-me a terminação…”.
No regresso a Portugal começou a trabalhar na Unilever, empresa onde ficou 13 anos, sempre dividindo-se entre Portugal e Espanha. O último cargo que ocupou no grupo foi como managing director da Elida Gibbs, uma subsidiária da Unilever e, à data, o maior anunciante em Portugal. Foi nesta altura que se tornou sócio da BBDO Lisboa, agência de publicidade onde ficou cinco anos, saindo em 1999 para a Havas (à data EuroRSCG). Nesta altura, a agência ocupava o sétimo lugar em Portugal, mas bastaram dois anos para se tornar líder. Em 2004, Ricardo Monteiro deu os primeiros passos da sua ‘internacionalização’ no seio da Havas. Em todos os países por onde passou, as agências locais atingiram a liderança.
Mas depois veio a crise mundial e o mercado publicitário foi dos primeiros a ressentir-se. Teve de se repensar, de se reposicionar. “A criatividade comercial muda a cada dia, a cada hora, a cada minuto… É mais directa, não conhece posicionamentos rígidos. Hoje o imprevisto é que marca a diferença. E, se é verdade que a força das ideias persiste, elas são mais ‘escorregadias’. Há, no entanto, valores imutáveis. As pessoas continuam a mover-se por emoções mais que por razões. Os produtos sem qualidade não vingam, nunca vingaram. A falta de bom gosto paga-se. E tratar as pessoas como ignorantes também”. Actualmente, Monteiro acredita que o sector começa a dar os primeiros sinais de retoma.
Habituado a trabalhar rodeado de criativos, o presidente da Havas contrapõe com o seu lado de administrador. E é com esse olhar que lida diariamente com estes ‘espíritos livres’, que, garante, também tiveram de se adaptar a uma nova fase no mundo da publicidade. “O criativo e o estratega de hoje têm de ser estudiosos, além de talentosos e sem ponta de arrogância. No passado, apesar de haver muitos que eram talentosos e ávidos de saber, desenvolveram personalidades de prima donna em que tudo se resumia a uma frase de génio ou um spot memorável. Esse mundo acabou. Qual a assinatura do WhatsApp? Alguém sabe? No entanto é um negócio que, com 54 empregados, envia mais mensagens que todos os SMS de todas as empresas de telecomunicações do mundo! E alguém se lembra da campanha de lançamento do iPhone? Em ambos os casos, criativos trabalharam em campanhas que garantiram gigantescos sucessos. Resumindo: os melhores criativos são pessoas preocupadas em entender este mundo em evolução, que escutam com atenção e adoram trabalhar em equipa. Lidar com esses criativos é um prazer e uma lição para mim, todos os dias”.
Por duas vezes nomeado Publicitário do Ano pela Meios & Publicidade; considerado, juntamente com Francisco Balsemão, Personalidade da Década no Mundo da Comunicação, Ricardo Monteiro acaba de receber o prémio Carreira atribuído pelos Lusos – Prémios Lusófonos da Criatividade. Ainda assim, aponta os seus “verdadeiros êxitos” fora da publicidade: “O meu filho mais velho trabalha na Ford e vai para Madrid este mês. O meu filho Filipe, com apenas 28 anos, tem já um importante cargo na Merck, em Lucerna, a sede da empresa. A minha filha Mafalda está em Nova Iorque, mas quer voltar a Portugal e o meu filho António, o mais novo, está a ajudar na organização da final da Champions League depois de se ter licenciado em Inglaterra, aliás como todos os irmãos. Esse é o meu verdadeiro êxito”, remata.