Longe de Portugal: Os criativos nacionais mais premiados em 2013

Uma campanha que apela à doação de órgãos, outra que elogia a beleza feminina e outra ainda que promove a partilha. Em comum estes trabalhos têm três aspectos: todos foram premiados durante o ano de 2013, todos têm assinatura portuguesa e todos assentam em experiências sociológicas.

João Coutinho atingiu o maior reconhecimento da sua vida em Cannes, com a campanha Fãs Imortais. Hugo Veiga foi considerado o melhor copywriter (responsável pelos conteúdos das campanhas) do mundo depois dos prémios conquistados em Cannes e noutros festivais, com Retrato da Beleza Real, para a Dove. A mesma campanha foi considerada a melhor do mundo pela AdWeek e pela Time. Por fim, Miguel Durão viu o seu trabalho para os chocolates Milka reconhecido nos Epica Awards e nos Eurobest. A conclusão parece simples: 2013 foi um bom ano para os criativos portugueses a trabalharem no estrangeiro.

Há cerca de dois meses, João Coutinho, 42 anos, embalava a sua vida – e a da mulher e dos dois filhos – para se lançar em mais uma aventura: trocar o calor de São Paulo pelo Inverno rigoroso de Nova Iorque. “Chegámos há um mês e meio, estamos a gostar bastante, se bem que ainda não deu para aproveitar nada, pois trabalhei todos os fins-de-semana desde que cheguei”, conta, através do chat do Facebook. João Coutinho é agora Associate Creative Director da Canon, uma das maiores contas da Grey, agência do grupo WPP considerada pela Advertising Age a terceira agência mais criativa dos EUA em 2013.

Esta mudança foi uma consequência directa do ano de 2013, na Ogilvy São Paulo. “Quando ganhei prémios começaram a chover convites”. Dos EUA, Londres, Brasil, Espanha. Até do Dubai, de onde recebeu uma proposta milionária. “Claro que o dinheiro é importante, e quando se trabalha fora os salários são astronomicamente maiores, mas nunca fiz opções de carreira pelo dinheiro”.

A verdade é que sempre sonhou trabalhar em Inglaterra ou nos EUA. “Mas sempre pensei que nunca conseguiria… Hoje posso dizer que estou a viver a vida com que sempre sonhei”.

Para concretizar este sonho, João não hesita em afirmar que foi fundamental a campanha Fãs Imortais. “Mudou tudo. Ganhou em todos os festivais por onde passou”. Mas a mudança foi bem mais profunda do que isso.

A campanha parte da ideia de que os adeptos do Sport Club do Recife são considerados a maior torcida do Nordeste brasileiro. De tal forma que, num dos seus cânticos, dizem mesmo: ‘Tudo pelo Sport, mesmo depois da morte’. O que João Coutinho (e Paco Conde) pensaram foi: ‘E por que não imortalizar essa paixão, doando os seus órgãos?’.

Estima-se que, por cada pessoa que morre, é possível salvar a vida a outras cinco. No entanto, no Brasil, a autorização da família revela-se, muitas vezes, um entrave à doação de órgãos. Com a campanha, cada adepto do Sport que aderisse fazia um cartão de doador que informa a família dos seus desejos de doação de órgãos.

O resultado não podia ser mais esmagador: num ano, mais de 50 mil pessoas do Estado de Pernambuco fizeram o cartão de dadores. Num vídeo feito meses após o lançamento da campanha, uma jovem transplantada emocionou tudo e todos ao assegurar: ‘O meu novo coração baterá sempre pelo Sport’. “Nunca tinha feito uma campanha tão forte em termos emocionais. Fiz uma campanha que salvou vidas. Posso reformar-me”, confessa João, com um sorriso que não deixa margem para dúvidas.

Nos últimos anos, as campanhas que saem do tradicional mundo da publicidade e apresentam um carácter mais humano e próximo da experiência sociológica parecem recolher o apreço do público. É o caso de Retrato da Beleza Real, da Dove, criado por Hugo Veiga, 33 anos (com Diego Machado), à data colega de João Coutinho na Ogilvy São Paulo.

A campanha partiu de um briefing aparentemente simples: apenas 4% das mulheres se acham bonitas, faça com que as outras 96% sintam o mesmo. “As mulheres têm uma visão deturpada do seu visual. No reflexo do espelho estão magras, mas acham-se gordas. O namorado diz que estão lindas e elas acham o nariz grande. Se elas não acreditam no que vêem ou no que pessoas da intimidade dizem, como conseguiríamos provar que se criticam demais? Usando as suas próprias críticas. Aí surgiu a ideia de usar a técnica dos retractos falados”, explica Hugo Veiga.

Para tal foi convocado o artista forense Gil Zamora que desenhou mulheres a partir das suas próprias descrições. E depois repetiu o exercício partindo das descrições de desconhecidos. O resultado não podia ser mais conclusivo: as mulheres são mais bonitas do que pensam. A campanha tornou-se viral em poucos dias – actualmente soma mais de 62 milhões de visualizações no YouTube. “Foi o melhor projecto que fiz. Não pelos prémios, mas pelas reacções positivas que provocou em milhões de pessoas. Era uma emoção ler os comentários e perceber o quanto tínhamos conseguido tocar num ponto sensível da sua auto-estima. Um feito que o New York Times resumiu num título: ‘Dove went beyond the skin and touched a nerve’“.

Do outro lado do oceano, para a agência francesa Buzzman, Miguel Durão, 31 anos, resolveu ‘comer’ um quadrado às tabletes de chocolate Milka. O criativo partiu da ideia de que o último pedaço é sempre o melhor. Perante isto, era dado ao consumidor o poder de escolha: pedir de volta o quadrado de chocolate ou enviá-lo, sem qualquer custo, a alguém especial, com uma mensagem personalizada. E, mais uma vez, as reacções multiplicaram-se: “Recebi emails muito simpáticos de pessoas que não conheço a dar os parabéns pela ideia”.

Com os passaportes carimbados

Para procurar emprego, Miguel Durão escolheu um caminho muito pouco convencional. Namorado da manequim Erica, fez um vídeo com imagens da jovem em que não apenas elogiava o seu percurso como modelo, como o seu carácter e inteligência. No final, uma foto sua não particularmente abonatória e um slogan: ‘Se isto não prova que sou bom com palavras, não sei o que provará’.

Quando era miúdo, Miguel Durão ficava em frente ao televisor a tentar adivinhar a que marca pertencia cada anúncio. No entanto, só bastante mais tarde percebeu que “a publicidade era uma área em que se podia trabalhar”. Nessa altura, foi estudar Gestão de Marketing. Durante o curso não fez Erasmus e a falta dessa experiência só aguçou o desejo de trabalhar no estrangeiro. Por isso, quando, no final do curso, em 2004, foi obrigado a fazer um estágio, enviou emails para cerca de 100 agências em Nova Iorque. “Grande parte não respondeu e grande parte das que responderam disseram ‘não’ porque tinham épocas de estágios definidas que, infelizmente, não coincidiam com a altura em que eu pretendia ir, mas houve uma que disse que sim”. Esteve três meses em Nova Iorque e regressou a Portugal, onde trabalhou até 2011, altura em que se mudou para Londres – com o tal vídeo de Erica – para procurar emprego. Aqui descobriu que “Portugal não tem grande relevância no panorama internacional de publicidade”.

O sentimento é, de alguma forma, partilhado por Hugo Veiga. “Há muito talento em Portugal”, mas no campo dos prémios, o país “está com défice de C’s: carcanhol, criatividade e coragem. Carcanhol para as inscrições nos principais festivais, que são muito caras, e também para produzir as ideias; criatividade, porque os criativos nacionais parecem-me descrentes; e coragem porque muitas marcas continuam a apostar no que já deu certo”.

Hugo Veiga começou a trabalhar na McCann de Lisboa, depois de terminar o curso de Publicidade e Marketing e vencer um concurso nacional para jovens criativos. Foi aqui que assinou a sua primeira campanha: um spot para a Liga Portuguesa contra a Sida onde “fazia metáforas com lápis e o uso da ‘borrachinha’. Na altura fiquei mega orgulhoso de a ver publicada, mesmo sendo uma bosta…”.

O gosto pela publicidade e pelas artes, porém, começou bem antes, com o programa Mil Imagens, apresentado por José Nuno Martins, no início dos anos 90. “Adorava anúncios, mas não tinha consciência da indústria por trás disso. Andava sempre metido em várias coisas. Fiz teatro, dobragem de desenhos animados, sketches humorísticos de programas como A Revolta dos Pastéis de Nata e até tive uma banda, os Moda Foca, um grupo de rock sem fãs nem talento”.

Em 2002, com apenas um ano de experiência, resolveu tentar a sua sorte em Londres. Sem sucesso. Mas ficou o desejo de “enfrentar um ecossistema pessoal, cultural e institucional completamente diferente”. E em 2005 teve a sua oportunidade e mudou-se para São Paulo. Depois de a campanha para a Dove o ter projectado internacionalmente, o grupo WPP, do qual a Ogilvy faz parte, convidou-o para receber formação digital. Já esteve em Londres, Paris e actualmente está em São Francisco.

Natural do Porto – e apaixonado pela cidade -, João Coutinho também se lembra bem do programa Mil Imagens. Juntamente com a série Os Trintões, foi responsável que trocasse o sonho da arquitectura pela publicidade. Estudou Publicidade na Universidade Fernando Pessoa, no Porto, mas em 1996, quando terminou o curso, mudou-se para Lisboa para trabalhar na Ogilvy. Três anos depois teve a primeira experiência fora de Portugal, em Madrid, “numa altura em que ainda eram poucos os portugueses em agências estrangeiras”.

Voltou em 2002, mas ficou o bichinho de voltar a sair. Essa oportunidade surgiu em 2011, quando já somava 15 anos de experiência. “Recebi uma proposta da Ogilvy São Paulo. Decidi ir para o Brasil à beira dos 40 anos. Podia ter pendurado as botas, mas a zona de conforto é algo que me incomoda. No princípio, é certo, estava super-inseguro. Fui para um país com grande tradição na publicidade. Saí de uma agência com dez criativos e fui para uma com 100. No primeiro briefing que recebi disseram-me para ter cuidado porque era low budget: era um milhão de dólares. Em Portugal a campanha mais cara que fiz custou 500 mil euros”. O balanço dos anos no Brasil não poderia ser mais positivo. “Houve semanas em que não vi a minha mulher e os meus filhos. Ela teve muita paciência. Mas em 2013 ganhámos 35 Leões em Cannes, batemos recordes, e hoje sou um criativo completamente diferente por trabalhar fora”.

João Coutinho, Hugo Veiga e Miguel Durão partilham um prolífico ano de 2013: todos assinaram aquelas que consideram, até à data, as campanhas das suas vidas. Mas há ainda outro aspecto que une os três criativos. Todos sabem que um dia regressarão a Portugal. Mas nenhum deles sabe quando. Certo é que “as saudades são uma coisa horrível”, desabafa João Coutinho.

raquel.carrilho@sol.pt