Mas, curiosamente, todos eles comungavam, à partida, do sentimento de pertença e de orgulho russos, nascido em 1812, o ano do incêndio de Moscovo e da vitoriosa resistência do país aos franceses de Napoleão, aquele momento mágico da história russa que Alexandre Herzen evocava nas suas Memórias, O meu Passado e os meus Pensamentos.
“Por favor, Ama, conta-me outra vez como os franceses chegaram a Moscovo”. Herzen nascera nesse ano de 1812 e escapara com a mãe ao incêndio da cidade. Quem se recusara a abandonar a ‘velha cidade santa’ fora Nicolau Karamzin, que viria a escrever a primeira história moderna da Rússia, a História do Estado Russo, uma obra patriótica decisiva na educação e formação das elites do século XIX.
Em 1816, um grupo de oficiais criou uma associação clandestina, a ‘União para a Salvação’. O objectivo era a instauração de uma monarquia constitucional. O movimento alargou-se de S. Petersburgo e Moscovo, a cidades e guarnições de províncias, com apoio também nas maçonarias. O líder da UPS era o coronel Pavel Ivanovitch Pestel que conseguiu trazer para o grupo o príncipe Sergei Volkonsky.
No dia 14 de Dezembro de 1825, numa S. Petersburgo gelada, 3.000 oficiais e soldados levantaram-se em rebelião contra o novo Czar, Nicolau I. Foram rapidamente dominados pela maioria do Exército. Os cinco principais responsáveis foram julgados e enforcados e dezenas de outros condenados a longas penas. Sergei Volkonsky perdeu a sua condição de nobre e proprietário e foi deportado para a Sibéria para onde a mulher, a bela Maria, o seguiu.
Os decembristas tinham retirado da guerra popular contra Napoleão a ideia da importância do regime constitucional e da libertação dos servos e olhavam para a Europa como modelo.
Já os eslavófilos, admirando o povo e querendo ir ao seu encontro, acreditavam na missão espiritual da Rússia e da Igreja Ortodoxa russa, que ao contrário das igrejas do Ocidente, não vivia de hierarquias e leis e era uma comunidade em Cristo e sob Cristo.
A ‘alma russa’ de que Gógol se ocuparia nas Almas Mortas, era superior ao materialismo ocidental. O príncipe Odoevsky, um romântico, achava que o Ocidente vendera a alma ao demónio do progresso. O debate entre os caminhos da alma russa, entre o cristianismo místico de Gógol e de Dostoiévski ou o patriotismo panteísta de Tólstoi, animaria os eslavófilos e chegaria aos nossos dias nos escritos políticos de Alexandre Soljenitsin.
Esta tradição de nacionalismo comunitário e religioso não foi extinguida pelos mais de setenta anos de comunismo. E Putin tem tido o cuidado de a respeitar. Agora, como no século XIX, parece querer fazer da Rússia a Roma dos nacionalistas e conservadores do resto do mundo.
O que não deixando de ser curioso e interessante, não é surpreendente.