Nas duas últimas épocas, entre 2011 e 2013, segundo dados adiantados ao SOL pela PSP, foram deflagrados, por adeptos do Benfica e do Sporting, 883 engenhos – ou seja, cerca de uma dezena por jogo.
Os rebentamentos causaram ferimentos graves. Por exemplo, em Novembro de 2010, um adepto do Sporting perdeu dois dedos da mão esquerda ao deflagrar um petardo de sete centímetros a partir de uma bancada do estádio de Alvalade.
Em Agosto de 2012, um elemento da claque dos Diabos Vermelhos lançou um petardo que acabou por rebentar no sector do estádio contíguo, atingindo uma mulher que sofreu queimaduras de 2.º grau no pé esquerdo, junto ao tornozelo. Em Abril desse ano, um adepto do Sporting, e militar do Exército, acabou por perder a mão esquerda devido às lesões causadas pelo rebentamento de um petardo, na área de serviço da ponte Vasco da Gama.
Engenhos escondidos em casa de banho
O controlo destes artigos pela Polícia e pelos assistentes de recinto desportivo, responsáveis pelas revistas, é uma tarefa difícil. “Não é possível garantir a ‘esterilização’ total do estádio: trata-se de revistar 50 mil pessoas, à procura de objectos do tamanho de um cigarro”, disse ao SOL o comissário João Pestana, chefe do núcleo de informações policiais, lembrando que, por vezes, os engenhos são introduzidos no interior do estádio antes mesmo da abertura de portas.
No dia 29 de Dezembro do ano passado, a PSP, numa vistoria inédita feita em colaboração com o Sporting, encontrou uma série de artigos escondidos na calha de electricidade de uma casa de banho do estádio de Alvalade, por trás da bancada da Juve Leo: 12 potes de fumo, oito petardos e oito tochas.
“Embora raros”, acrescenta o oficial da PSP, há também “casos em que os artefactos entram com adeptos por portas onde não é feita revista e depois são transferidos, já no interior do estádio, para os sectores das claques, onde são deflagrados”.
Uma simples pressão pode deflagrar petardos
Este material – geralmente produzido na Polónia e na República Checa e encomendado pela internet – “é feito para usar por profissionais, em ambientes controlados e requer licença e medidas de manuseamento específicas”, sublinha João Pestana, lembrando que usá-lo em estádios de futebol tem riscos incontroláveis: “São usados por pessoas sem formação, no meio da multidão, transportados em bolsos ou na roupa. A simples pressão do corpo pode ser desastrosa”. Os petardos, que fazem estremecer bancadas e perfuram o relvado, são os mais perigosos. “Se forem artesanais, são muito instáveis”, sublinha o oficial da PSP. Já uma tocha pode atingir 700 graus e provocar queimaduras graves.
A verdade é que identificar os autores dos rebentamentos é quase como procurar uma agulha num palheiro. “Os adeptos tentam dissimular os engenhos quando os deflagram, inclusive aproveitando coreografias com lençóis para se esconderem. E mesmo quando é possível identificá-los, se não houver imagens claras, torna-se difícil prová-lo em tribunal apenas com base no testemunho de um polícia”.
Penas suspensas ou multas
Nas duas últimas épocas, a Polícia conseguiu identificar, através de câmaras de videovigilância, 85 adeptos a deflagrarem petardos e outros engenhos. No mesmo período, foram apanhados 28 adeptos na posse de artigos – crime punível com pena de prisão de um a oito anos, segundo a lei das armas. No entanto, nove dos 28 adeptos foram alvo de processos de contra-ordenação, já que alguns magistrados entenderam aplicar a lei do desporto – que configura a posse de artefactos num estádio como mera infracção.
Em todos os casos, porém, as penas aplicadas foram suspensas e, nalguns casos, substituídas por multa. Foi o que aconteceu a nove adeptos polacos que, em Fevereiro de 2012, num jogo entre o Légia de Varsóvia e o Sporting, foram apanhados na zona das revistas com 245 petardos, 294 tochas e dois very lights, escondidos em sacos de desporto. Foi a maior apreensão de sempre da PSP, mas os polacos foram punidos com quatro anos de prisão suspensa.
Proibir a entrada de adeptos em estádios é outra medida prevista na lei. João Pestana considera que é “mais eficaz” para dissuadir estes comportamentos, lembrando que é “regra em países como Inglaterra, onde são aplicadas muitas banning borders” (interdições). Em 2004, por altura do Euro, cerca de dois mil ingleses estavam proibidos pelo tribunal de sair do país para frequentar estádios. Em Portugal, nota o oficial, “começa agora a haver maior sensibilidade por parte dos magistrados para a aplicação destas sanções”. Dos 85 adeptos identificados e detidos pela PSP, entre 2011 e 2013, apenas sete foram alvo dessa punição.
Por outro lado, diz o oficial, “era importante que os clubes, que têm regulamentos internos em matéria de segurança, também sancionassem os adeptos”. Algo que nunca aconteceu.
As competições europeias são a excepção à regra. Caso ocorram deflagrações nestes jogos, os clubes arriscam punições severas da UEFA (jogo à porta fechada e coimas de 100 mil euros). E, por isso, é frequente colocarem avisos onde se apela aos adeptos para que não usem pirotecnia.
