Tinha ficado na África do Sul, até ao Verão de 1975 e depois tinha ido para o Brasil. Às portas do Verão de 1976, reaproximava-me da Lusitânia, da ‘pátria pequena’ e pós-imperial.
Em Madrid andei errante, conspirando com o que restava dos compatriotas emigrados e exilados, os últimos activistas, e alguns emigrados ‘económicos’ que se iam fixando e arrumando a vida por terras de Espanha.
Adolfo Suárez chegava ao poder nesse momento: as Cortes franquistas investiam-no, votavam as leis da reforma do Estado, faziam a transição. Traumatizados que estávamos com a transição marcelista e o seu desastre – entre a descolonização e o PREC – não deixávamos de criticar, com veemência, o que em Espanha estava a acontecer, aguardando e agoirando o pior. E Adolfo Suárez transformou-se, para nós, num símbolo de oportunismo – o quadro do Movimento que traía os princípios do falangismo, que punha em causa a vitória na Guerra Civil e que, com o apoio do Rei, dava cabo da obra de Franco.
Vivi assim, dois anos em Madrid, testemunhando, com os meus amigos e correligionários portugueses e espanhóis a transição, os seus altos e baixos, o reaparecimento da ETA e do terrorismo de esquerda, a inquietação crítica dos quartéis, a legalização do Partido Comunista. Lamentávamos, esperávamos e comparávamos os processos de cá e de lá.
Mas não foi assim: Suárez, o tal quadro meio desconhecido do Movimento, convertido em guia e pivot da transição, navegou por entre todos esses escolhos e tempestades e sobreviveu. Porque para bem e para mal, decidia: a classe política franquista converteu-se à democracia ou reconverteu-se no sector privado; a esquerda e os comunistas, com medo da reacção dos militares, foram contendo os seus mais excitados. Os negócios floresceram, as autonomias também e o efeito ‘dissuasor’ da democracia funcionou. Embora quarenta anos depois, falta ver a Catalunha…
Franco deixara o esquema montado – a reinstauração da monarquia constitucional – que resultava, com base no Rei. Os militares obedeciam-lhe por que ele era o herdeiro de Franco, os franquistas, olhavam-no como o seu guarda-chuva e os esquerdistas também.
Foi assim lá, mas cá não podia ter sido. Marcelo Caetano queria abrir o sistema, mas não podia pois a abertura não era compatível com a guerra de África. Hesitante, foi-se consumindo e consumindo o regime no pára e arranca, do abre e fecha. Os conservadores encolheram-se, os interesses económicos achavam que não era com eles, os generais dividiram-se. Daí o 25 de Abril.