Adolfo Suárez e a decisão

Cheguei a Espanha em Junho de 1976, no meu segundo ano de exílio do Portugal democrático, que começara em 5 de Outubro de 1974, quando saíra de Angola pela fronteira do sudoeste africano – Namíbia, com um mandado de captura na qualidade de ‘malfeitor associado’, passado pelo MFA em Lisboa. Fazia parte daquelas centenas de…

Tinha ficado na África do Sul, até ao Verão de 1975 e depois tinha ido para o Brasil. Às portas do Verão de 1976, reaproximava-me da Lusitânia, da ‘pátria pequena’ e pós-imperial.

Em Madrid andei errante, conspirando com o que restava dos compatriotas emigrados e exilados, os últimos activistas, e alguns emigrados ‘económicos’ que se iam fixando e arrumando a vida por terras de Espanha.

Adolfo Suárez chegava ao poder nesse momento: as Cortes franquistas investiam-no, votavam as leis da reforma do Estado, faziam a transição. Traumatizados que estávamos com a transição marcelista e o seu desastre – entre a descolonização e o PREC – não deixávamos de criticar, com veemência, o que em Espanha estava a acontecer, aguardando e agoirando o pior. E Adolfo Suárez transformou-se, para nós, num símbolo de oportunismo – o quadro do Movimento que traía os princípios do falangismo, que punha em causa a vitória na Guerra Civil e que, com o apoio do Rei, dava cabo da obra de Franco.

Vivi assim, dois anos em Madrid, testemunhando, com os meus amigos e correligionários portugueses e espanhóis a transição, os seus altos e baixos, o reaparecimento da ETA e do terrorismo de esquerda, a inquietação crítica dos quartéis, a legalização do Partido Comunista. Lamentávamos, esperávamos e comparávamos os processos de cá e de lá.

Mas não foi assim: Suárez, o tal quadro meio desconhecido do Movimento, convertido em guia e pivot da transição, navegou por entre todos esses escolhos e tempestades e sobreviveu. Porque para bem e para mal, decidia: a classe política franquista converteu-se à democracia ou reconverteu-se no sector privado; a esquerda e os comunistas, com medo da reacção dos militares, foram contendo os seus mais excitados. Os negócios floresceram, as autonomias também e o efeito ‘dissuasor’ da democracia funcionou. Embora quarenta anos depois, falta ver a Catalunha…

Franco deixara o esquema montado – a reinstauração da monarquia constitucional – que resultava, com base no Rei. Os militares obedeciam-lhe por que ele era o herdeiro de Franco, os franquistas, olhavam-no como o seu guarda-chuva e os esquerdistas também.

Foi assim lá, mas cá não podia ter sido. Marcelo Caetano queria abrir o sistema, mas não podia pois a abertura não era compatível com a guerra de África. Hesitante, foi-se consumindo e consumindo o regime no pára e arranca, do abre e fecha. Os conservadores encolheram-se, os interesses económicos achavam que não era com eles, os generais dividiram-se. Daí o 25 de Abril.