Cinco gerações de confiança

“Não temos lojas no Porto porque nenhum Torres se disponibilizou para ir viver para lá”, atira, peremptório, Ricardo Torres. Na família, há uma regra que não se quebra: à frente de cada loja tem de estar um Torres. “Fazemos questão de estar presentes, a dar a cara para o bem e para o mal”.

Afinal, trata-se de um negócio de confiança e de memórias. “É um mercado de grande carga emocional, de bens que acrescentam valor e marcam as grandes datas e acontecimentos”. Talvez por isso, “é um negócio que flutua menos do que os outros. Mas isto significa que, nas alturas em tudo se vende, também não temos subidas assim tão grandes”, afiança Ricardo, o mais velho da 5.ª geração de Torres.

Foi com isto em mente que a família decidiu abrir uma loja em plena Avenida da Liberdade, no número 225, mesmo em frente à mundialmente conhecida Cartier. “Do meu ponto de vista, esta é a altura certa para investir porque as coisas não estão tão inflacionadas. Uma aposta destas num momento de boom imobiliário não seria possível. E os fornecedores olham para nós com olhos de alguém que foi capaz de investir neste momento”. Ao contrário do que acontece com outras lojas da Avenida, o novo espaço não foi aberto a pensar nos clientes vindos de países como Angola ou Brasil. “O nosso principal cliente é, de longe, o português”.

A nova ‘coqueluche’ junta-se às outras seis lojas do grupo, mas tem particularidades: criada pelo arquitecto José Calheiros, com 500 m2 (mais 400 m2 para a zona de escritório), esta é uma das maiores lojas da Avenida e tem a maior extensão de montra de alta relojoaria e joalharia da capital. Mais: no seu interior, decorado de forma minimalista, usando vidro, aço, dourados matizados e madeiras, existem espaços personalizados para as marcas Rolex, Chopard e Jaeger-LeCoutre. Mas estas não são, naturalmente, as únicas representadas. Há ainda peças da Franck Muller, TAG Heuer, Graham, Raymond Weil, François-Paul Journe, Corum, Messika, Mikimoto e Mimi, entre outras – além das peças da própria marca Torres. “O projecto desta loja começou a nascer em 2010, por ocasião do centenário da marca. Foi difícil decidir onde na Avenida, mas tínhamos de vir para aqui. Depois foram dois anos e tal a ver lojas até que chegámos a este espaço, que eram três lojas separadas. Nunca tivemos necessidade de espaços muito grandes porque o produto que vendemos é pequeno, mas a aproximação destes negócios ao luxo obriga a que o espaço seja condizente com o que vendemos. E espaço a mais é um luxo”.

De alfaiates a joalheiros

Para Portugal, 1910 é o ano da implantação da República, a 5 de Outubro. Mas para a família Torres este ano tem outro significado: foi o ano em que começou, em Torres Vedras, a sua actividade joalheira, pelas mãos de Anselmo Torres. O então alfaiate, especialista em fatos por medida, começou a vender alguns acessórios como botões-de-punho e molas de gravata em prata, e apercebeu-se do potencial de negócio. “Entre a prata e os trapos a decisão foi fácil”.

Em 1936, Carlos Torres, filho de Anselmo, expande o negócio para Lisboa, num passo que viria a revelar-se fulcral para o futuro da marca. Na capital, e apoiado pelo seu filho, Carlos Augusto Torres, adquirem a Casa Pimenta, na Rua da Palma. A segunda loja surge apenas 14 anos depois, com a abertura, “no dia de Nossa Senhora de Fátima”, da Ourivesaria Pimenta, também na Baixa Pombalina, mas na Rua Augusta.

Em 1966, 30 anos depois da vinda para Lisboa, e já com João Carlos Torres e o irmão Pedro Torres (a quarta geração) à frente do negócio, nasce a marca Torres Joalheiros e a primeira loja com este nome, na Rua do Ouro, mesmo ao lado do elevador de Santa Justa, criada pelo arquitecto Raul Tojal, que trabalhou no projecto do Hotel Ritz. “Esta será sempre a nossa sede emocional”. Foi ali, aliás, que Ricardo passou os Verões da sua infância, primeiro sozinho, depois com o irmão Paulo. “O meu pai comprava-me férias para vir trabalhar. E eu adorava mexer nas peças. Lembro-me que os fornecedores apareciam nas lojas com malas cheias de peças para vender e tínhamos de ter conhecimentos para decidir o que comprávamos. A formação foi feita ali, a fazer e a ver fazer”, recorda.

É também nesta altura que começam os contactos com as principais relojoeiras suíças e é celebrada a parceria com a Rolex, tornando-se Torres uma espécie de sinónimo português da marca suíça – a qual, para comemorar o centenário da Torres, criou uma edição especial.

À loja da Rua do Ouro seguiu-se um espaço em Cascais onde um mecanismo rotativo permitia uma alteração automática das montras. Uma espécie de cartão-de-visita da nova liderança dos irmãos Ricardo e Paulo.

Actualmente, a empresa é dirigida pela 4.ª e 5.ª geração dos Torres, entre os quais João Carlos Torres e os seus filhos, Ricardo e Paulo; e Marta e José Pedro (filhos de Pedro Torres). Além de pertencerem à administração, Ricardo está à frente da nova loja da Avenida da Liberdade e Paulo gere a da Rua do Ouro; já Marta controla a Torres Distribuição e José Pedro dedica-se às novas tecnologias. O apelido que os une, une-os também em torno do negócio das jóias e dos relógios. E, espera Ricardo, continuará a unir as gerações futuras. “Estes anos de história dão-nos a responsabilidade de estimar o que temos para deixarmos para os próximos, tal como nos deixaram. Isto apesar de os tempos serem hoje muito diferentes. O meu bisavô teve o mesmo Mercedes cerca de 40 anos e almoçava com a minha bisavó na cave da loja. Acho que ele era capaz de achar esta nova loja um grande desperdício de espaço”.

raquel.carrilho@sol.pt