Contentores de Criatividade

Foram precisos quatro anos e alguns momentos de desespero para que Mariana Duarte Silva, da agência de comunicação e produção de eventos Madame Management, concretizasse o Village Underground Lisboa. “Houve um momento muito difícil, em que eu estava muito grávida e a mulher do meu sócio, Tom Foxcroft, também, e chegámos à conclusão que esta…

O caminho começou em Londres, cidade onde Mariana trabalhou durante cerca de dois anos, sobretudo ligada à promoção de projectos de música electrónica. Na capital inglesa, o seu espaço de trabalho ficava precisamente no Village Underground local, uma experiência que só deixou boas recordações. “Ia trabalhar, sentava-me na minha mesa e ao meu lado tinha pessoas a fazer as mais variadíssimas coisas”. No regresso a Lisboa trazia vários projectos na mala. Um deles era o Village Underground.

A primeira porta à qual foi bater foi a da Carris. “Apareci na Carris com um barrigão de grávida, expliquei o projecto e saí da reunião já com dois autocarros”. Estava dado o primeiro passo. Os anos que se seguiram foram divididos entre a maternidade (Mariana tem dois filhos) e a procura de apoios e de um espaço onde instalar o Village Underground. “Foi uma longa caminhada à procura de espaço. Até que a Carris sugeriu instalarmo-nos aqui no Museu, em Alcântara. Na mesma altura, a Câmara Municipal de Lisboa disponibilizou um espaço e, numa semana, fiquei com duas localizações possíveis”. A decisão da Carris teve em conta “o potencial de desenvolvimento cultural de um projecto com experiência já consolidada noutras cidades europeias, bem como a responsabilidade social associada ao projecto (apoio de jovens artistas) e, ainda, a coincidência temporal com a reestruturação levada a cabo, em 2013, no Museu da Carris”, explicou Luís Vale, da direcção de marketing da Carris. Actualmente, além da Carris e da Câmara, o Village Underground conta com o apoio do Montepio, da Meo, da Amorim e da Gyptec.

No total são 14 contentores marítimos e dois autocarros – num deles ficará uma cafetaria criada pela designer Joana Astolfi e no outro uma sala de reuniões -, que ganham uma nova vida através do projecto de arquitectura de João Cassiano, do ateliê Arte Tectónica.

O espaço está preparado para albergar uma totalidade de 55 residentes e o valor para ter acesso a um destes espaços é de 150 euros por mês/ por mesa com wi-fi e electricidade incluídas. “Recebemos centenas de candidaturas e escolhemos as que faziam mesmo sentido”. Em comum têm o facto de pertencerem todas às chamadas indústrias criativas e de estarem dispostas a trabalhar em regime de coworking. “Sei que não há tradição de coworking em Portugal, mas quero que as pessoas se conheçam umas às outras e criem juntas. Este não é um escritório normal, há que partilhar experiências, contactos, conhecimentos. Por isso é que a estrutura está todainterligada. Além disto, está no contrato que os residentes devem interagir com quem vier visitar o espaço”, diz Mariana.

Foi este desejo de dinamismo que levou a empresária a lançar um convite ao trio que compõe os projectos musicais Macacos do Chinês e MGDRV. Apache, Skillaz e Yo Cliché e o seu “sangue criativo que borbulha” vão ter aqui uma residência que se espera que vá além da música. “A nossa ligação com a Mariana já é antiga, sempre nos apoiámos uns aos outros. Quando surgiu esta hipótese nem pensámos duas vezes, porque sempre achámos que a colaboração entre a música e outras áreas é fundamental”, dizem os jovens, reforçando a importância de estar rodeado de “mentes frescas e diferentes”. Mas deixando claro que este é um espaço de trabalho, não de festa e distracção. “Só de estarmos a visitar já estamos a ter novas ideias”.

Numa fase inicial a entrada faz-se apenas pela porta do Museu da Carris, na Rua 1.º de Maio. Mas estão já a ser ponderadas as hipóteses de abrir portas quer na parede contígua ao Lx Factory, quer na parede que dá para a Avenida da Índia. Uma ideia partilhada pela própria Carris: “Projectos como a abertura de uma ligação para o LX Factory e para a avenida já foram discutidos e pensados e estão a ser avaliados, tendo em conta o investimento necessário e o retorno em que os mesmos se traduzirão para a captação de novos públicos para o Museu da Carris”, afiança Luís Vale.

As portas do Village Underground Lisboa abriram oficialmente a 9 de Abril, em simultâneo com a inauguração do novo núcleo do Museu da Carris. Estiveram presentes apenas 15 residentes, entre os quais a nova marca S4L, que aproveita este dia para se apresentar oficialmente com a primeira colecção, Índia.

A S4L nasceu no seio de quatro amigos – Zé Maria Ardisson, Mafalda Alves, Maria Ana Sousa e Maria Maior Pimentel – há cerca de um ano. “Somos uma marca de calções de banho de homem e fatos de banho de mulher, inspirada na relação dos portugueses com o mar, desde 1415, com os Descobrimentos. Por isso faz ainda mais sentido virmos para esta zona porque foi daqui que saíram as caravelas”, explica Zé Maria. Mas a verdade é que o grupo já conhecia o projecto Village Underground e, assim que soube que haveria uma versão lisboeta, não teve dúvidas. “Conhecíamos a ideia de Londres e adorávamos. Assim que soubemos que ia haver em Lisboa, candidatámo-nos logo. Fomos os primeiros, aliás. O mais importante para nós é saber que este espaço vai albergar outras empresas e isso pode criar boas dinâmicas”.

É a pensar nestas boas dinâmicas que Denise Guimarães e Ana Simões dos Santos vão instalar-se no Village Underground. Ao contrário de todos os outros residentes, esta dupla está longe de pertencer a qualquer indústria criativa. São advogadas. Mas querem trabalhar com projectos criativos. “A ideia é vir aqui dar consultas e assistência a pessoas do Village, desta zona ou até de fora, que se dediquem a actividades relacionadas com o ramo criativo, e fazê-lo num ambiente mais acolhedor, informal e acessível”, explica Denise. Estas consultas são pensadas para pessoas que estão a começar e precisam de apoio legal, com “honorários adequados ao tipo de cliente que teremos”.

Mal viu a notícia deste projecto, Denise Guimarães não teve dúvidas: “Queria estar aqui, foi irreflectido”. Enviou a candidatura e foi escolhida. Só mais tarde desafiou Ana a juntar-se a esta aventura. “Há imensos novos projectos criativos que não chegam a avançar por desconhecimento e receio dos aspectos burocráticos. É isso que nos motiva”, afirma Ana, que acrescenta, com um sorriso: “Além de que ninguém imaginaria haver aqui advogados!”.

Este não será o escritório principal de nenhuma das duas advogadas, que vão manter a sua actividade nos respectivos escritórios de origem, até por forma a garantir as exigências da Ordem dos Advogados, “e que são difíceis numa lógica de coworking que não permite ter arquivos fechados. Será algo que teremos muito em conta”.

Apesar desta ‘vida dupla’, Ana, com o seu cabelo vermelho fogo e um passado ligado à moda e à música, não está à espera que nenhum cliente fique chocado com o seu novo desafio: “É importante desmistificar os padrões associados aos advogados. Não é o invólucro que define se o aconselhamento é melhor ou pior”. Já Denise, advogada ligada à área financeira, só agora está a começar a analisar a dualidade que se avizinha para a sua vida. Ainda assim, só tem uma expectativa: “Espero que seja divertido”.

raquel.carrilho@sol.pt