O problema surgiu depois de a responsabilidade do pagamento aos médicos das VMER ter sido transferida do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) para os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Com os orçamentos apertados destes estabelecimentos, os médicos da emergência ganham agora pouco mais de oito euros por hora, em horário pós-laboral, o que os leva a perder o interesse pelas escalas de serviço.
Por outro lado, quando não há profissionais escalados, os hospitais não se esforçam na mobilização das tripulações. “Como os hospitais estão com constrangimentos financeiros graves, não se empenham nas escalas”, alerta José Manuel Silva, sublinhando que as administrações hospitalares “poupam dinheiro com as inoperacionalidades das VMER”.
Médicos desmotivados
O bastonário admite que os médicos também estão desmotivados: “Confrontados com a redução do pagamento por hora, em serviço feito em horário pós-laboral, não se interessam por este serviço”.
O presidente da Associação Nacional dos Técnicos de Emergência Pré-hospitalar concorda. “O serviço não é feito em exclusividade, vai quem está disponível e quem tem vontade de ganhar uns trocos. E por isso, surgem estes problemas”, diz Nelson Baptista.
No terreno, a redução dos orçamentos e a desorganização do socorro médico ameaçam romper a operacionalidade do INEM, que desde Dezembro tem vivido em sobressalto por falhas sucessivas no socorro a acidentes graves.
Em Évora, a falha ocorreu pela segunda vez em poucos meses. No domingo, a VMER do Hospital de Évora esteve parada 12 horas por falta de recursos humanos e não pôde ser mobilizada para um acidente grave em Reguengos de Monsaraz, em que morreram duas pessoas. Já em Dezembro, num acidente em Montemor, em que quatro pessoas faleceram, a VMER não deu assistência por não haver médicos escalados – mas a administração do hospital nunca foi responsabilizada.
Até há bem pouco tempo era o INEM que coordenava as escalas, mas a gestão foi transferida para as unidades de saúde, que pagam aos médicos e organizam os turnos. Estas obrigações foram transferidas a coberto de protocolos com o INEM, que definiram novas competências. Os hospitais ficaram com a responsabilidade de assegurar a tripulação (isto é, enfermeiros e médicos), enquanto que o instituto tem de disponibilizar a viatura e consumíveis.
Face à polémica, o Governo veio garantir, entretanto, através de um comunicado, que “2013 foi o ano em que se registou o maior número de saídas dos meios do INEM”, sustentando que a inoperacionalidade das VMER, que têm “497 novos médicos, diminuiu 40%”.
Estes argumentos políticos deixaram a nova direcção do INEM – liderada desde há menos de um mês por Paulo Amado de Campos – na retaguarda e sem vontade de comentar a quebra na operacionalidade. Mas neste organismo, segundo fonte ligada ao processo, reconhece-se que “o problema está nas administrações hospitalares que não estão a cumprir os protocolos, nem têm vontade de o fazer”. E “entre ter o médico na VMER ou na urgência, mantêm-no no hospital e com isso desorganizam as escalas”, diz a mesma fonte.
A desorganização é reconhecida pela Associação Portuguesa de Medicina de Emergência, que exige que “a lei obrigue a tempos mínimos de reposta em suporte avançado de vida”. O presidente da associação, Vítor Almeida, avisa que a taxa de operacionalidade desceu e lembra que “a emergência médica é uma questão de vida ou de morte”. Por isso, exige “autoridade” do ministro da Saúde sobre as administrações hospitalares.
A Ordem dos Enfermeiros, por seu lado, alega que para, “evitar situações como a de domingo, em que a VMER de Évora não socorreu as vítimas de um acidente”, é urgente implementar um novo modelo para a emergência, recordando que há dois anos apresentou uma proposta à tutela.
Também o porta-voz do PS para a Saúde, Álvaro Beleza, aproveitou a polémica para pedir ao ministro da Saúde para “acabar com os cortes cegos na Saúde que têm consequências bem visíveis” – e que os socialistas estimam em 900 milhões de euros.
Governo promete mudanças
O ministro Paulo Macedo já veio explicar que será aprovado um “diploma que definirá as competências de cada serviço hospitalar de urgência”. Além disso, prometeu publicar, em breve, um despacho para “regular a relação das equipas de VMER com cada hospital”.
Segundo apurou o SOL junto de fonte do INEM, Paulo Macedo promete responsabilizar as administrações que não respeitem dois princípios: que o serviço das VMER tem de funcionar como todos os outros serviços hospitalares e que tem de se assegurar com médicos substitutos a operacionalidade das viaturas sempre que há faltas de elementos da tripulação.
Entretanto, a Inspecção-geral das Actividades em Saúde, tal como fez em Dezembro, abriu um processo de averiguações sobre a inoperacionalidade das VMER. Mas as conclusões e as responsabilidades ainda não são conhecidas.