O último acorde do padrinho

Quem o ouviu, no passado 29 de Março, a tocar no Ministry of Sound, em Londres, estava muito longe de imaginar que fazia parte de um grupo de privilegiados que ouvia pela última vez Frankie Knuckles ao vivo. Aquele que era apelidado de ‘Padrinho da house music’ morreu dois dias depois, na sequência de complicações…

As homenagens chegaram de todos os quadrantes da música electrónica. O DJ e apresentador da BBC Radio 1, Pete Tong, escreveu no Twitter: “Descansa em paz, senhor, génio, revolucionário, inspiração. Abençoado por ter trabalhado contigo”. O também DJ Dimitri From Paris preferiu gravar um set com algumas das músicas favoritas criadas por Knuckles. “Juntei algumas das suas músicas que prefiro, para que o seu legado possa continuar a inspirar outras pessoas”.

Em Portugal, as homenagens também se fizeram ouvir. O programa Música Com Pés e Cabeça, da Antena 3, conduzido pelo DJ Rui Vargas, apresentou um especial de duas horas dedicado a Knuckles. Já no Lux, Dexter, um dos DJ residentes da discoteca de Santa Apolónia, tocou, às 4h da manhã, o tema ‘Your Love’ ao mesmo tempo que, pelos ecrãs do piso superior do Lux, se podia ler ’Frankie, Obrigado!’. “Frankie Knuckles é a essência e era merecidamente chamado The Godfather of House Music pelo seu infinito contributo para este género musical. No sábado quis simbolicamente dizer-lhe ‘Estás cá. Hoje e sempre!’. Foi uma singela homenagem… Sem ele não estaríamos aqui”, explicou Dexter. ‘Your Love’ foi a mais reproduzida das suas faixas. Serviu de ponto de partida para o remix dos The Source para a música de Candi Staton ‘You’ve Got The Love’, mais tarde popularizada pelos Florence + The Machine.

Frankie Knuckles foi uma espécie de evangelista. Mas a sua palavra era a da música, da house music, mais concretamente, género que leva a sua assinatura. Longe da histeria que hoje rodeia muitos dos DJ, Knuckles – que cresceu profissionalmente numa altura em que os DJ chegavam a tocar 12 horas seguidas – defendeu sempre que o que interessava era a música, não ele. “Digo isto a qualquer DJ: ‘No instante em que pensares que és maior do que a música, estás acabado’. Porque o teu tempo há-de acabar e a música fica. A tua função não é estares ali a dizer: ‘Glorifiquem-me e amem-me’”, disse, em 2012.

Foi em Chicago que Frankie Knuckles se afirmou como DJ e produtor musical, mas os primeiros passos foram dados em Nova Iorque, cidade onde nasceu. Francis Nicholls, o seu nome de baptismo, nasceu a 18 de Janeiro de 1955, no Bronx. Começou por estudar Design Têxtil, no Fashion Institute of Technology. Em simultâneo trabalhava como DJ, tocando soul, disco e R&B, ao lado do amigo Larry Levan, no Continental Baths, no Ansonia Hotel, um ponto de encontro da comunidade gay. Quando Levan foi convidado para ser DJ no novo clube da berra, o Paradise Garage, em Manhattan, Knuckles acompanhou-o, continuando a ser uma espécie de braço direito do amigo.

Em 1977 tem a sua grande oportunidade ao ser convidado para DJ residente do novo Warehouse Club, em Chicago. Chegado à cidade ventosa apercebe-se que o disco, género que dominava, estava, na verdade, a cair em desgraça. Knuckles começa a manipular cassetes, prolongando as passagens instrumentais das músicas, recorrendo a caixas de ritmo. Aos poucos, um novo estilo dava os primeiros passos: a house music. “Um dia passei por um cartaz de um clube em Chicago que dizia ‘Aqui tocamos música house’. Perguntei o que queriam dizer com aquilo e responderam-me que tocavam a música do House, do Warehouse”, recordou na mesma entrevista. Sem querer, Knuckles tinha transformado o Warehouse na incubadora da house music.

O DJ foi residente desta discoteca até 1982, ano em que abriu o seu próprio clube, o The Power Plant, que, no entanto, fechou cinco anos depois. A partir desta data Knuckles regressou a Nova Iorque e fundou, juntamente com o também DJ David Morales, a Def Mix Productions. Além disto, o DJ passou a dedicar-se ainda mais às tournées. Tocou um pouco por todo o mundo, com destaque para Londres e Ibiza; e assinou remisturas para nomes como Michael Jackson, Diana Ross e Whitney Houston. Aliás, foi esta capacidade para reinterpretar as músicas dos outros que lhe valeu, em 1997, um Grammy pelas melhores remisturas. Foi o primeiro prémio alguma vez atribuído nesta categoria. Antes, porém, em 1991, Knuckles tinha lançado o seu primeiro álbum, Beyond The Mix, onde se destacava o tema ‘The Whistle Song’, ainda hoje uma faixa incontornável nas pistas de dança de todo o mundo.

Mas nem só de música se fizeram os 59 anos de Frankie Knuckles. Esteve sempre associado a instituições de luta contra a sida e de defesa dos direitos das crianças. Por tudo isto, em 2004, a cidade de Chicago dedicou-lhe o dia 25 de Agosto, data em que inaugurou a Frankie Knuckles Way, troço da rua onde ficava o Warehouse. O responsável por esta decisão foi o então senador do Illinois, hoje Presidente dos EUA, Barack Obama.

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raquel.carrilho@sol.pt