Manuel Forjaz: ‘Nunca me perguntaram se consigo ser feliz’

Professor universitário, consultor, empresário e autor, Manuel Forjaz deixou-nos no passado dia 6 de Abril. Três dias antes, teve uma conversa informal com o SOL, onde falou desassombradamente sobre o seu bestseller Nunca Te Distraias da Vida, o cancro e os pequenos prazeres do dia-a-dia.

Tosta prensada, aparada, com manteiga dos dois lados, com queijo e fiambre, acompanhada de um café duplo com leite morno. Eis um dos pequenos prazeres da vida de Manuel Forjaz. Foi esta a sua escolha durante a entrevista que teve com o SOL num conhecido café em Lisboa, apenas três dias antes da sua morte.

Manuel Forjaz não se distraía da vida nem mesmo perante o diagnóstico de cancro do pulmão que lhe foi feito no ano de 2010. E viveu-a da forma «como sempre quis». Seguindo este lema, escreveu o livro Nunca te Distraias da Vida, lançado em Março. Editado pela Oficina do Livro, é número um no top nacional de vendas. «Sinto-me sobretudo divertido», disse acerca do sucesso da sua obra, não escondendo «orgulho e prazer» de ver o livro a liderar o ranking nacional. Mas Manuel Forjaz nunca se preocupou muito com as vendas. «O que realmente me interessa são as mil mensagens diárias que recebo de pessoas a agradecer e a contar histórias lindíssimas de como o livro as ajuda. E são estas mensagens que me fazem chorar, pensar o sentido da vida, saber que a minha vida valeu a pena». A sua página de Facebook ‘explodiu’ em número de fãs a partir do lançamento do livro e no dia a seguir à sua morte passou de 75 mil para 117 mil seguidores.

Mas desengane-se quem pensa que este lema de vida surgiu apenas com a doença. «É muito anterior. Há 20 anos que falo sobre isto. Costumo dar conferências a quadros superiores de empresas onde lhes explico precisamente que a vida não é só trabalho e que, se nos entregarmos apenas à carreira, esquecemo-nos de outros aspectos essenciais».

Manuel Forjaz, que em jovem era tímido, ao longo dos anos na universidade e na sua vida profissional conseguiu libertar-se. Recentemente, confessou, se o convidassem para «estar sete horas a falar sobre beringelas não teria qualquer problema». A forma como expôs a sua doença acabou por ser natural. Abordava o tema da morte com a mesma leveza com que pedia a sua tosta favorita e um café, e acabou por deixar escritos os seus desejos para o seu velório. A racionalidade e a sensatez foram sempre acompanhadas de uma fé inabalável. «O primeiro problema que resolvo é que vou morrer – vai acontecer – e o facto de ter fé e de não ter medo alivia-me muita da pressão do dia-a-dia», disse-nos.

Doença sem tabus

Manuel Forjaz tinha uma agenda muito preenchida, entre entrevistas, conferências, tratamentos variados e uma vida profissional que quis manter até ao fim. Não gostava de adiar nada, nem de faltar aos seus compromissos. «Vou buscar energia às histórias que me contam, de verdadeiros heróis que venceram a doença. Não sou caso único. Recebo emails de pessoas que lutam contra o cancro da mesma forma mas que não têm vontade de se expor». Não se considerava um «super-herói» e optava por fazer uma alimentação saudável, por descansar pelo menos dez horas por dia, por continuar a fazer ginástica e não tinha qualquer problema em retirar-se mais cedo de um jantar com a casa cheia de amigos caso sentisse necessidade de descansar. «É uma energia sobretudo interna mas que vou buscar aos meus filhos, à minha mulher, aos meus amigos, que têm sido de uma enorme generosidade e aos vários momentos do meu dia que valem realmente a pena».

O cancro não lhe tirava o sono. No dia em que recebeu o diagnóstico, adormeceu em apenas dois minutos. «Vivo com um optimismo esquizofrénico e um pragmatismo muito matemático. Adoro os tratamentos e a quimioterapia, porque enquanto tiverem qualquer coisa para me dar, significa que estou no caminho das pessoas que têm hipótese de se tratarem». Ao longo destes anos de luta nunca quis saber quanto tempo tinha de vida. «Imagine que o médico me diz que tenho três semanas de vida… O que faço com esta informação para além de preocupar-me e entrar em stress? Prefiro não ter prazo de validade e, se estiver bom tempo, sentar-me numa cadeira a apanhar sol». Além disso, Manuel Forjaz acreditava que as estatísticas falhavam inúmeras vezes.

«Nem sequer penso que estou doente. A doença só aparece com as dores ou com os efeitos secundários», embora, no dia da entrevista, reconhecesse que o cancro o estava «a aborrecer um pouco». Ainda assim, não se queixava.

Uma marca para a vida

Para Manuel Forjaz, era sobretudo difícil conseguir eliminar a presença do cancro da cabeça das pessoas. «É uma marca que fica para a vida do doente. É por isso que pretendo que o livro passe mensagens para os doentes, para os familiares, para os que sofrem, para os desempregados, para os mais vulneráveis: ‘Não desistas’; ‘arranja um tempo; ‘as coisas não são assim tão más’…».

Esta mensagem nem sempre foi entendida por quem luta contra a doença. «Há doentes que não saem da cama ou do sofá e passam assim os seus dias. Consideram que ninguém pode ter cancro e ser feliz, falar, ter opiniões, aparecer careca, rapar o cabelo em frente a uma televisão e sorrir. A minha proposta parece-lhes fingida e teatral».

Questionado sobre que pergunta nunca lhe tinham feito, a resposta foi imediata: «Nunca me perguntaram se consigo ser feliz. Não o sou sempre, pois há aqui um grande esforço para me manter em forma, para que a doença não me mate e para que os meus dias continuem cheios de vida, de coisas boas, de prazeres. Tenho amigos que me ligam, que me ‘massacram’ para me levarem ao teatro, ao cinema ou a almoçar».

À data em que falou com o SOL tinha muitos planos para o futuro: «Mudar ou reformular o programa de televisão, apesar de os seguidores não o quererem; escrever um novo livro; ter uma plataforma de formação online (www.manuelforjaz.com) que está praticamente pronta, acabar o chinês e retomar as aulas de guitarra». Não teve tempo para continuar os seus projectos mas a sua obra continuará certamente a inspirar seguidores e fãs. «Não tenho medo da doença, nem da morte. Tenho medo que aconteça alguma coisa àqueles que amo». Manuel Forjaz defendia que podia morrer da doença, mas que a doença nunca o mataria. E assim foi. Até ao passado dia 6 de Abril.

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