A teoria de Olga

Freiras enclausuradas, bonecos com próteses… O universo de Olga Noronha, de 23 anos, está longe de ser linear. E nada a poderia deixar mais satisfeita. “É o que sempre quis. A minha formação ensina-me que existem duas instâncias de visualização: no primeiro impacto o entendimento é visual, no segundo explicamos o conceito. A quantidade de…

Em Março, Olga Noronha esteve, pela segunda vez, na ModaLisboa. A colecção Corpus in Claustrum era um jogo sobre a clausura que, afinal, tem tanto de erótico como de austero. As manequins apresentavam uns longos trajes em cetim vermelho, numa versão sensual dos tradicionais hábitos clericais. Sobre elas pousavam as estruturas criadas por Olga. Peças que criavam uma espécie de impedimento à proximidade. “A intenção foi jogar com o mais íntimo, porque há sensações que não são passíveis de ser verbalizadas, são impulsos. E eu gosto de mexer com esses sentimentos”. E gosta de provocar. “Muito”, responde quase sem respirar. “Faz parte da minha personalidade. Não gosto de passar despercebida”.

Já há seis meses assim havia sido quando, também na ModaLisboa, apresentou a colecção Joalharia Medicamente Prescrita, composta por ortóteses e próteses. Um olhar muito influenciado pelos pais: um cirurgião ortopedista e uma médica do trabalho e também cirurgiã. “Cresci no meio de material médico, a ver o meu pai experimentar técnicas em todo o lado, até maçãs”. Mas esta colecção, antes da influência familiar, começou num trauma de infância. Aos três anos, Olga atravessou acidentalmente uma agulha de costura no braço. “Lembro-me de tudo, a agulha ficou atravessada de um lado ao outro. Há três anos, quando me foi pedido o projecto de fim de licenciatura, resolvi tentar ultrapassar essa fobia, obrigando-me a manusear agulhas o tempo todo. E consegui”, conta enquanto mostra o seu colar com uma agulha de sutura banhada a ouro como pendente.

Daqui começou o trabalho Conflito Rejeição – Atracção. “Entretanto quis desenvolver uma parte desse projecto a pensar em ortóteses e próteses e isso acabou por se tornar o cerne do trabalho: peças em resinas que parecem pele, com materiais cirúrgicos que ora restringem ora ajudam ao movimento”. Peças pensadas de acordo com as metodologias científicas. “Acredito que aquelas peças serão prescritas por médicos. Por exemplo, a peça final da colecção, um colar cervical em filigrana de ouro, foi comprada por uma senhora que a tem numa vitrina, mas se algum dia lhe acontecer alguma coisa ao pescoço, ela pode usá-la. A peça está comprovada cientificamente”. O problema é que a dualidade das suas peças lhe provoca uma natural crise existencial. “O que é que eu sou? Formei-me em design. Uso diariamente as suas metodologias, mas não acho que faça design porque o design está conotado com a parte industrial e usável. Estou na fronteira entre o design, a arte e a investigação. Sou mais teórica do que criativa”.

Desde os seis anos que Olga Noronha brinca com missangas e pedras, arames e alicates. Aos 11 anos, uma amiga dos pais sugeriu que participasse numa mostra de uma escola de joalharia no Porto. “Levei uma carteira de ráfia azul cheia de peças minhas. Mas quando cheguei lá, as meninas tinham todas mais de 16 anos, porque na escola só se podia entrar com essa idade”. A mãe insistiu com o director da escola para que admitisse a filha. Mas nada parecia fazê-lo mudar de ideias. Isto até ter reparado no colar que a mãe de Olga usava. Quando percebeu que a peça era da autoria da menina de 11 anos, não queria acreditar. “O professor quis que eu fosse lá quatro fins-de-semana para me ver trabalhar. Tirou a prova dos nove e eu fui a aluna mais nova da Escola Engenho e Arte”. Ali ficou seis anos, até ao final do secundário, quando se mudou para Londres. Afinal, desde os 13 anos que Olga sonhava estudar na Central Saint Martin’s. “Foi a melhor opção que fiz. Aliás, esta última colecção reflecte o meu primeiro ano em Londres, no qual me enclausurei em casa. Entrava na Universidade antes das nove e só saía quando me expulsavam. Na clausura, apaixonei-me pelo que faço”.

O seu trabalho de final de licenciatura foi considerado o melhor na celebração dos 21 anos do curso e exposto ao lado de obras de artistas como Alexander McQueen. Terminada a formação na Central – onde agora integra o corpo docente -, está agora a fazer o doutoramento na Goldsmiths. Voltar para Portugal, para já, “não faz sentido” – “Londres é a minha rampa de lançamento”. Ainda assim, Olga Noronha não tem dúvidas que um dia voltará. É que Portugal “é lindo de morrer”.

raquel.carrilho@sol.pt