A cegueira portuguesa

O vinho Madeira conquistou o mundo desde há séculos, sendo dos mais disputados e apreciados. Em Portugal, no entanto, permanece ignorado, esquecido a um canto. Nem sabemos o que estamos a perder.

Chega a causar dó a queda que os portugueses têm para ignorarem, ou não darem o devido valor, ao que é seu. O vinho Madeira, disputado em todo o mundo, é quase ignorado no seu país. Isto ao arrepio de toda a história de um vinho que começou a ganhar fama 25 anos depois da descoberta da ilha da Madeira, em 1419, altura em que começou a ser exportado e a chegar à mesa de ilustres figuras.

George Washington e Thomas Jefferson não o dispensavam e o vinho foi mesmo o escolhido para brindar à independência dos Estados Unidos, em 1776. Mas também William Shakespeare o deu a conhecer nas suas obras (na peça Ricardo III o duque é executado por afogamento dentro de um barril de vinho Madeira), e Winston Churchill teve mesmo a oportunidade de o ‘conhecer’ de perto, sempre que se deslocava à Madeira. Também Napoleão Bonaparte, a caminho do exílio para a ilha de Santa Helena (1815), não deixou de ser ‘apresentado’ a este néctar, já que na sua passagem pela Madeira lhe foi oferecido pelo cônsul inglês um tonel com Malvasia. Consta que nem o chegou a provar… O que ele perdeu, assim como os portugueses que o mantêm no esquecimento.

Um vinho único, produzido em condições únicas. Um solo de origem vulcânica (na sua maioria basáltico), verões quentes e húmidos e invernos amenos fazem o milagre do vinho Madeira, que depende do equilíbrio de três factores: grau de doçura, álcool e acidez, sendo este último o mais importante. É a acidez que o torna fresco, jovem e lhe dá uma longevidade eterna.

No vinho Madeira não existem os aromas primários, que vamos encontrar nos vinhos brancos e tintos. O que existe é um bouquet constituído por um conjunto de aromas que se desenvolvem ao longo do seu envelhecimento e que nos trazem à memória pinho, eucalipto, chocolate, cascas de laranja, mel e baunilha, só para citar alguns.

Se beber um Sercial é porque gosta do vinho Madeira seco e se optar pelo Verdelho verá como já é meio seco. Com o Boal entra no mundo do meio doce e a plenitude da doçura chega-nos com o Malvasia. Os vinhos mais novos devem ser bebidos a uma temperatura entre os 13/14 graus e os mais velhos entre os 15/16 graus. E não se esqueça de usar um copo mais largo junto ao pé e mais fechado no topo, concentrando na abertura os seus aromas mais complexos.

Na próxima semana iremos falar aqui de alguns vinhos Madeira, depois de uma prova histórica feita na recente edição do evento Essência do Vinho, no Porto.

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