Super comediante com costela portuguesa

Numa suíte do Hotel Hyatt, junto à Place Vendôme, ouve-se trautear ‘Tiro-liro-liro’, de Amália Rodrigues. A letra da canção é por vezes atropelada pela pronúncia do intérprete sorridente. “Tentei cantar para os jornalistas portugueses, mas não sei se consegui”, dirá de seguida, pelo telefone, o actor Dany Boon à sua mulher, que é filha de…

Daniel Hamidou é um comediante nato. Orgulha-se de ser do extremo Norte da França, de Amentières, onde nasceu há 48 anos. Filho de um ex-boxeur e camionista argelino e de uma dona de casa, não escapou ao sotaque carregado da região. Aliás, viria a usá-lo como trunfo humorístico no mega-sucesso Bem-vindo ao Norte, que fez dele o actor francês mais bem pago da actualidade. Hoje divide o seu tempo entre Paris e Los Angeles, onde de se fixou com Yael e os seus três filhos – de nove, oito e quatro anos, aos quais soma ainda dois outros de anteriores relações.

Dany Boon – cujo nome se inspirou no do explorador Daniel Boone – começou como comediante de rua, acabando por se impor como actor. Ao lado do amigo e colega Kad Merad, a sua carreira disparou com o boom de Bem-vindo ao Norte. O sucesso foi de tal ordem que deu direito a um remake italiano, Bem-vindo ao Sul. Seguiu-se um novo delírio em forma de choque de culturas, em Nada a Declarar, uma passagem por Astérix & Obelix: Ao Serviço de Sua Majestade, e um romance com Diane Kruger, em Um Plano Perfeito.

Ao vermos Supercondríaco torna-se fácil perceber que a fórmula de Dany Boon assenta num humor físico muito vincado. Aqui, veste a pele de um hipocondríaco feroz viciado em produtos de higiene e com um permanente receio de contágios. impossível é não ficar contagiado com seu humor.

É actualmente um dos maiores comediantes em França. O êxito colossal de Bem-vindo ao Norte foi agora amplificado por Supercondríaco. Como avalia este sucesso?

Como avalio?! Bem, claro! As pessoas têm reagido muito bem aos meus filmes. Há um passa-palavra que tem funcionado. Continuamos no primeiro lugar das bilheteiras um mês depois da estreia, o que é óptimo. Isto numa altura em que há cerca de 15-20 filmes a estrear todas as semanas, o que significa que já estrearam quase cem filmes depois de Supercondríaco. Por isso continuar em primeiro quererá dizer alguma coisa…

O riso acaba por ser o factor decisivo. Acha que é disso que as pessoas vão à procura?

Sim, as pessoas têm necessidade de rir, e é isso que eu faço. É essa a minha missão.

Como descobriu que produzia nos outros essa reacção?

É uma coisa que vem da minha infância. Sinto necessidade de fazer rir os outros.

Ou seja, também é algo importante para si…

Sim, é isso que alimenta o meu sentido de humor. Ao fim e ao cabo é uma alimentação espiritual, sensorial. Dá um sentido à minha vida. Diria até que é mais importante que o sucesso, está para além dele. Podemos ter sucesso em outras áreas, mas fazer rir é o que faz a magia de uma carreira.

Mesmo quando estamos a falar de doenças?

Sim, mesmo nesse caso. Temos de saber rir de tudo. O riso resulta da forma como dizemos as coisas, mas também da ternura que temos pelo público, pelos outros e pelo ser humano. Temos de mostrar essa delicadeza e de possuir um olhar preciso sobre as pessoas para lhes poder provocar o riso.

O seu nome artístico inspirou-se no de um explorador. Pode revelar-nos a história por detrás dessa escolha?

Sim, o meu nome verdadeiro é Daniel, mas acabei por me inspirar na personagem do explorador Daniel Boone, por causa dos programas que ele apresentava na TV. No início da minha carreira como humorista precisava de coragem para subir ao palco e um nome falso ajudava.

Era aí que explorava a mímica?

Sim, havia um lado mais físico, mais de clown.

Teve alguma inspiração para criar essa personagem?

Várias. Muitos franceses, como o Louis de Funès, por exemplo. Quando era miúdo gostava muito do Fernandel, do Peter Sellers, do Jacques Tati e do Chaplin, por diversas razões. Em grande parte resultava dos filmes que via na televisão. Mas a pantomima veio dos espectáculos de rua. Aliás, mantive sempre essa ligação ao corpo, ao humor mais físico.

Em Supercondríaco há uma cena hilariante em que você lava freneticamente a Alice Pol. É um momento muito intenso, ao mesmo tempo erótico e cómico. Foi algo que veio do guião ou surgiu espontaneamente?

Começou por ser escrito, mas acabamos sempre por acrescentar qualquer coisa. É estranho um tipo ter medo de dormir com uma mulher e por isso decide dar-lhe banho… Mas eu próprio vivi uma relação em que não tinha a certeza da higiene da minha parceira. Por vezes, pensava mesmo que teria de lhe dar um banho… [risos] Isso fez-me pensar na forma como passava o sabonete pelo corpo dela. Achei a situação muito divertida e forte do ponto de vista cómico.

Foram as suas origens no Norte de França que estiveram na génese do humor de Bem-vindo ao Norte?

Sim, porque no início gozavam com o meu sotaque do norte. Talvez por isso tenha desejado explorar a forma como o sotaque pode ser usado como elemento cómico. O que eu nunca esperei era que o filme viesse a ter o sucesso que teve.

Teve ocasião de ver A Gaiola Dourada, do português Ruben Alves, que foi um outro grande sucesso em França?

Sim, claro que vi A Gaiola Dourada, um filme que mostra os portugueses que vivem cá em França. De resto conheço bem o Ruben Alves, uma pessoa muito divertida. Gosto muito dele. Ele foi assistente de um filme meu. Quem sabe se um dia não iremos trabalhar juntos.

De resto, você também tem uma ‘costela’ portuguesa, não é verdade?

É verdade. Os meus filhos são metade portugueses, também com uma parte suíça e francesa. Até têm passaporte português, do lado da família da minha mulher e da minha sogra, que são muito ligadas a Portugal.

Sei que esteve recentemente em Portugal. Gostou da visita?

Estive lá no ano passado, em Lisboa. Gostei imenso. As pessoas são muito simpáticas e acolhedoras. Só achei que a água da praia era um pouco fria… Mas a comida é deliciosa. Gostei muito daqueles bolos, como se chamam?

Pastéis de Belém?…

Isso. E não é muito caro, pelo menos em comparação com Paris ou Los Angeles. Portugal é um país lindíssimo.

O seu próximo trabalho, já será feito em Los Angeles?

É verdade. Chama-se The Ambassadors, é um filme dos estúdios Fox, que irei realizar em Hollywood.

É o seu primeiro filme nos EUA?

Sim. Tenho casa em Los Angeles, e os meus filhos estudam lá. Mas será algo temporário.

Eles reagem bem a terem um pai famoso?

Reagem bem. O único problema é quando alguém me vem pedir para tirar uma foto comigo e eu tenho de lhes dizer que só eu é que posso entrar. Eles não.

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