A morte em Calpe

Aquando da sua primeira emissão, a 1 de Agosto de 1980, o canal de música norte-americano MTV escolheu o teledisco do single ‘Video Killed the Radio Star’ dos ingleses Buggles para abrir as hostilidades.

No passado dia 5 de Abril, a propósito dos 20 anos sobre a morte do último grande herói da contracultura, Kurt Cobain, o tema do aborrecimento juvenil voltou à ribalta; sem grandes sobressaltos, em várias das frentes noticiosas que assinalaram a efeméride, admitiu-se que uma reacção ao sistema com o impacto disruptivo como a de Kurt já não seria de esperar a esta altura do campeonato, porque vivemos na era da diluição voluntária na massa e da moderação. Os jovens estão profundamente desinteressados, aborrecidos e com um attention span cada vez mais reduzido. Não consomem televisão, preferem a internet.

Admitindo que esta problematização do aborrecimento juvenil é cíclica, pergunto-me se haverá motivos para alarme, já que todos os dias se vaticinam mortes simbólicas e tragédias menores. Faz parte da nossa forma de nos relacionarmos com os objectos, neste caso com os media.

A disponibilização de internet em dispositivos móveis com reduzida capacidade de armazenamento em muito tem contribuído para a compactação de informação, o que deveria conduzir-nos a uma eficácia comunicativa, mas que no fundo nos tem levado noutra direcção, mais recreativa, digamos, já que a internet está em todo o lado e os acessos são cada vez mais baratos e possíveis. Se as aplicações móveis como o Instagram, o Twitter ou o Snapchat têm vindo a ganhar terreno junto dos utilizadores mais jovens por serem mais eficazes que outras já existentes e completamente instituídas, logo transversais, como o Facebook, por exemplo, então o certo é que estamos cada vez mais voltados para o mini com possibilidades maxi. E para o rápido, indolor e sem memória. Para a não-permanência. Para o que seja exclusivo relativamente ao já instituído. Passivos, sim, na massa, sim, mas na mesma franja geracional.

São as férias da Páscoa. Nas férias da Páscoa já o campeonato de futebol está resolvido e o ano lectivo também. Para os alunos do 12.º ano, é tempo de viagem de finalistas, de preferência para um sítio onde não haja pais e haja praia, discotecas e álcool.

O destino agora é Calpe, no Sul de Espanha.

O Rui Maria Pêgo é uma das melhores pessoas para seguir no Facebook: além de excelente comunicador, tem um sentido de humor muito inteligente e particularmente especial. Entre tantas outras coisas, o Rui é locutor da Mega Hits, uma das rádios preferidas dos jovens (que segundo os prognósticos não deviam ouvir rádio) e parceira de eventos musicais voltados para a massa imberbe. O Rui esteve a semana passada em Calpe a acompanhar os festejos dos finalistas em viagem e, à falta de expressão melhor, a cobrir o evento, que é uma espécie de ilha da MTV à europeia.

Estando deslocado do seu habitat natural e com o ‘Ministério da Cultura’ (a sua rúbrica para o Inferno do Canal Q) para fazer, decidiu fazê-lo em Calpe, sobre, lá está, viagens de finalistas. Quando perguntou a uns jovens se queriam colaborar e aparecer na televisão, a resposta foi rápida e simples: ‘Ei! Não! Na televisão, não! Mete no insta!’. No tom fatalista que lhe é próprio, o Rui Maria declarou que ‘estamos mortos’.

Em 34 anos os jovens que largaram o rádio para se agarrarem à televisão tiveram os filhos que gostaram de Nirvana e consumiram canais por cabo, que depois tiveram os filhos que preferem aplicações de telemóvel com capacidade para vídeos de 15 segundos.

Degradou-se a capacidade de suportar informação. Extinguiu-se o interesse nos meios que não conseguem acompanhar o ritmo daquilo que os jovens querem realmente ver e ouvir. A ficção foi suplantada pela realidade. E pela velocidade. Os paradigmas de sustentação dos grandes media afastam os jovens do seu consumo, tornando-os arcaicos aos seus olhos. Porque os paradigmas têm a necessidade vital de gerar capital de uma forma velha. Será que começou, finalmente, a batalha pelo conteúdo nos media?

Sendo os jovens uma grande fatia dos consumidores dos social media, é certo que este é o género de frase que obriga a reflectir sobre o que há que mudar nos grandes contextos para que estes se tornem novamente apelativos.

O Futuro é a internet. Sem publicidade. Sem permanência. Sem exposição.

joanabarrios.com