A sacralidade e a transcendência do Papa e da sua missão são completamente ignoradas e incompreendidas pelos laicos comunicadores de serviço: para eles o Papa é ‘um líder religioso’ (como o Dalai Lama ou o bispo Edir Macedo) e podem até fazer dele um rockstar, uma lady Di, um desportista ou um actor do show business. É um produto de consumo informativo, nada mais.
A esquerda laica, ambígua em relação a João Paulo II e hostil a Ratzinger, achou cómodo adoptar o sucessor como um dos seus. Com isto, levou um radical básico direitista norte-americano, como Rush Limbaugh, a dizer que a Evangelium Gaudium era ‘puro marxismo’ e outros disparates.
A esquerda festiva, a que cada semana tem uma praça e uma causa dilectas e diferentes para apoiar, encorajando os residentes da área a morrer por ela, parece convencida que o Papa vai mudar o Evangelho e a Igreja para fazer deles um espécie de Centro de Dia ou ONG para comportamentos marginais.
Bergoglio é um Papa marcado pelo seu ADN: a ascendência italiana, piemontesa, o catolicismo exigente e militante. Jesuíta, é de uma ordem ao serviço do Papa, que vê a religião como acção no mundo e tem uma longa tradição missionária; pastor na Argentina, em Buenos Aires, conhece uma igreja e uma teologia do povo, numa América que hoje é o coração do cristianismo.
Por que os números contam: em 1910, dos cerca de 300 milhões de católicos do mundo, 65% estavam na Europa, 29% nas Américas, 5% na Ásia-Pacífico, 1% em África. Hoje, os cerca de 1.050 milhões de católicos distribuem-se assim: 47% nas Américas, 24% na Europa, 16% na África subsaariana e 12% na Ásia-Pacífico.
As Américas concentram a maioria da população católica e cristã do mundo. E a igreja destas Américas é a igreja missionária, a igreja do povo, comprometida com uma mensagem evangélica muito antiga.
Os que, com escândalo ou alegria, identificam o Papa com o marxismo, por causa das suas condenações do dinheiro como soberano deste mundo, não leram os profetas, nem os Evangelhos, nem conhecem os últimos papas, de Leão XIII até hoje.
A mensagem evangélica é muito mais antiga que o marxismo, o comunismo, os socialismos nacionais e o próprio humanitarismo cristão. Por isso há pontos comuns nos discursos do Papa, dos bispos e dos pastores e nos princípios de todas as formações políticas com preocupações sociais.
Mas o que importa é o espírito (a filosofia) e os métodos. Esses são inconciliáveis: entre o materialismo dialéctico, herdeiro da ilustração e da fé cristã num Deus transcendente e pessoal, há um abismo. Entre a exigência da justiça cristã e a luta e eliminação de classes, outro ainda maior.
Não há confusão possível.