Joaquim Leitão: ‘Cinema é a única coisa que sei fazer’

Imune às críticas e polémicas em torno do filme Sei Lá, adaptado do bestseller escrito por Margarida Rebelo Pinto em 1999, Joaquim Leitão diz-se satisfeito pela oportunidade de realizar um filme com uma história bem diferente daquelas que têm marcado os anos mais recentes da sua carreira. Até porque o que quer é continuar a…

Como surgiu a oportunidade de filmar Sei Lá, o bestseller de Margarida Rebelo Pinto, publicado em 1999?

Fui convidado pelo Tino [Navarro, produtor do filme], com quem tenho uma relação muito próxima. Sabia que o projecto existia e fui falando com ele enquanto ele e a Margarida iam fazendo versões do projecto. Finalmente, no ano passado, o Tino apresentou uma última versão escrita pela Margarida. Ao ler achei que era algo que me interessava fazer e que tinha condições para ser um filme que me desse gosto realizar e gosto às pessoas em ver.

Conhecia o livro?

Sim, li-o quando saiu e quando o li tive logo a sensação de que poderia haver material para fazer um filme, mas que havia um processo de adaptação da obra para filme que não ia ser simples. E realmente acabou por ser um processo longo. Acho que o Tino negociou os direitos da obra pouco depois da saída do livro e o filme só foi realizado mais de dez anos depois.

O cinema português tem falta de filmes com este tipo de linguagem?

Acho que o cinema português tem falta de todos os géneros porque se fazem poucos filmes e portanto o nível de diversidade é menor. Mas acho que há lugar para diferentes estéticas e diferentes maneiras de ver o cinema.

É mais difícil filmar com um elenco cujas quatro protagonistas são mulheres?

É fácil trabalhar desde que a escolha dos actores tenha sido bem-feita e os actores tenham talento – como era o caso. Neste caso, correu muito bem. Em todos os filmes tenho de aprender a conhecer as pessoas e a equipa que dirijo, e adaptar-me. Cada pessoa é diferente e tenho de pensar qual a melhor maneira para aproveitar as qualidades dessa pessoa.

Enquanto realizador teve de se preparar para um filme com uma linguagem totalmente diferente das suas últimas obras, com temáticas ligadas à guerra?

Tento fazer sempre histórias diferentes, não gosto de me repetir. Tenho de olhar para a história e perceber qual a melhor maneira de a transformar em imagens e sons. Há evidentemente uma determinada maneira de filmar que é minha e que é reconhecível filme a filme, mas há bastantes diferenças entre cada filme. Este filme é muito mais luminoso do que os meus filmes anteriores. Há muita cor. Isso foi uma opção, era a estética que se adaptava à história.

Sei Lá é uma história que o persegue menos ao final de um dia de trabalho do que, por exemplo, Quarta Divisão ou 20,13?

Nada me persegue quando chego a casa… Normalmente estou demasiado cansado ou tenho demasiadas coisas para preparar para o dia seguinte. O que faço é preocupar-me com o que vou fazer a seguir. Como qualquer realizador tenho pena quando não corre como imaginei, mas também pode acontecer estar a filmar e ficar emocionado pela positiva com as coisas que se estão a passar. Mas é naquele momento. É um processo vertiginoso. Se algo me chateou ou me divertiu, logo a seguir tenho de continuar.

O filme tem sido atacado pela crítica, que o apelida de fútil e questiona como aceitou o projecto. Como vê estas reacções?

As pessoas têm direito a pensar o que pensam. Têm direito de ter as suas opiniões, não as levo a mal, mas também não me afectam particularmente. Há pessoas que acham o filme fútil e outras não. Não há nenhum critério que possa concluir quem tem razão.

As críticas não o fazem questionar se deveria ter abraçado este projecto?

Não. Tenho muitas questões, mas são levantadas, não pela crítica, mas por mim e por um grupo de pessoas em cuja opinião confio.

Dentro desse grupo as reacções ao filme foram mais positivas?

Esse círculo de pessoas em quem confio tem uma visão que tem muito mais a ver com a execução, sobre como se chegou àquele resultado final. Mas não é nenhuma discussão esotérica sobre a futilidade, ou não, de um projecto.

A crítica acerca da leveza do filme tem a ver com o olhar intelectualizado que sempre tivemos sobre o nosso cinema, que deveria fugir do lado comercial?

Essa é uma distinção que nunca fiz e que nem consigo compreender. Para mim há filmes bons e há filmes maus. Um filme pode ter sido bom e não ter tido bilheteira e um filme pode ter sido muito mau e ter resultado com o público. São duas coisas diferentes que não entram em contradição. Já para não dizer que o processo só tem graça e só me dá prazer se for feito para alguém. Para mim funciona como a arquitectura: não vale a pena construir um prédio se ninguém tiver vontade de o habitar.

E, nesse sentido, a visão sobre este filme é positiva?

O filme tem estado a correr bem. Os resultados agradam-me.

Perante o cenário de falta de apoio ao cinema português, consegue definir projectos para os próximos tempos?

Ainda não tenho. Mas cinema é a única coisa que sei fazer e é a única coisa que gosto de fazer. Vou tentar arranjar algo para realizar que me interesse e que seja possível fazer nas circunstâncias menos auspiciosas do cinema português.

raquel.carrilho@sol.pt