A Resignação é um livro sobre um assunto que ainda está muito fresco…
Normalmente, as histórias que escrevo já aconteceram há muito tempo. O livro anterior, A Filha do Papa, era sobre Pio XII, que morreu em 1958, e também já escrevi sobre João Paulo I e João Paulo II. Este é um assunto que começou há um ano, a 11 de Fevereiro de 2013, e ainda estamos a sofrer os efeitos da resignação de Ratzinger. É um livro escrito em tempo real.
Ficou a admirar mais Bento XVI?
Sem dúvida, por tudo o que fez e não se sabe e por tudo o que fez e estará no livro, que não permite aos sucessores recuar. Muitos dos louros a colher hoje pelo Papa Francisco – que ainda há semanas montou um Ministério da Economia – devem-se a Bento XVI. O resultado vai ser a limpeza total do banco do Vaticano, o IOR [Instituto para as Obras de Religião], que deve ser mantido como um banco de investimento transparente. Os dinheiros que dantes podiam ser lavados nesta instituição deixarão de o poder ser. Por exemplo, até ao ano passado, o mafioso Messina Denaro tinha lá 100 milhões de euros. Ratzinger tentou reestruturar todo o sistema financeiro do Vaticano, em 2010, mas não conseguiu.
Porquê?
Pensamos que o Papa manda e o resto cumpre, mas isso não é verdade. O Vaticano é como uma quinta com muitos galinheiros e há muitos galos a querer mandar. O secretário de Estado e os prefeitos das Congregações e dos dicastérios também mandam e têm poder para não dar cavaco ao Papa. Em 2012, fez-se uma auditoria ao Banco do Vaticano e, em 40 pontos, passava em apenas nove. Há uma prerrogativa de Ratzinger para que se investigue tudo e o secretário de Estado legislou contra. Bento XVI percebeu que reinava mas não governava, era uma figura de corpo presente.
Por isso surge a resignação?
O Papa recebe informação seleccionada e já devia ser poupado a muitas coisas, até porque era o mais velho desde Leão XIII, no século XIX. O Vaticano tinha um presépio que se faz todos os finais de ano, na Praça de S. Pedro, a custar meio milhão de euros e não se sabia a quem esse valor era pago. Havia despesas no Hospital San Raffaele, em Milão, de 1.000 milhões de euros, que não se sabe para onde foram. Há uma rede de que Bento XVI veio falar num relatório de 300 páginas, que foi a base para a sua resignação, e em que é descrita toda a corrupção. Quando o seu biógrafo lhe perguntou, em 2010, por que não mudava as peças e o secretário de Estado, a resposta foi ‘estou demasiado velho’. Atirou a toalha ao chão e percebeu que se esperasse pela morte tudo continuaria na mesma. Então tomou essa decisão de uma inteligência enorme: de baralhar tudo e dar de novo. Nunca tinha havido uma resignação nestes moldes: foi totalmente política, não teve nada de religioso.
A história de A Resignação começa com a detenção do mordomo do Papa, Paolo Gabriele, em Maio de 2012, por ter passado documentos confidenciais para a comunicação social, e termina com a eleição do Papa Francisco. Mistura factos com ficção, tal como nos anteriores livros?
Sim, temos de ter sempre em linha de conta que se trata de um livro de ficção, que não pode ser usado numa aula de história. Pela ficção faço os leitores perceber como funciona o Vaticano, porque é tal e qual como está no livro, ao mesmo tempo que há um espectáculo montado de acção, entretenimento e muita tensão.
O facto de ser ficção permite-lhe dizer o que quer sem prestar contas?
Exactamente. Quando apresentou A Mentira Sagrada, o meu livro de 2011, o José Rodrigues dos Santos disse uma coisa com a qual não concordei, mas a que achei graça: ‘Estamos a inaugurar uma nova corrente literária, em que usamos a História para contar uma história’. Acima de tudo, quero criar leitores cépticos, que pensem pela própria cabeça e vão verificar se aquilo é verdade, ler outros livros, jornais…
O Vaticano é a melhor história do mundo?
Acho que é uma das melhores, sem dúvida. Não só no sentido pejorativo, porque há histórias fabulosas, como a do próprio calendário gregoriano: só a Igreja Católica teria influência para criar um novo calendário e implementá-lo no mundo inteiro. São 2.000 anos de história que dão uma certa esperança a Portugal: o Vaticano não foi sempre esta força quase indestrutível, que não tem fim à vista, e esteve por um fio variadíssimas vezes, porque teve uma sucessão de papas muito maus. Porém, sempre apareceu o Papa certo na altura certa, que mudou tudo, como Francisco. Em Portugal tivemos uma sucessão de péssimos governos, mas há-de aparecer um Francisco [risos].
Como faz a investigação?
Tenho um contacto muto próximo com vaticanistas [jornalistas que acompanham as notícias sobre o Vaticano], em Roma e não só. Há vaticanistas teológicos e outros na área política, que são os que me interessam. Se me perguntar sobre a Igreja Católica Apostólica Romana, eu não faço a mínima ideia nem me interessa, mas se me perguntar sobre o Estado da Cidade do Vaticano digo-lhe o que quiser. Uma porta vai abrindo outras e há pessoas que me querem mostrar determinados documentos e fontes que nos permitem ter acesso a algumas coisas. No Vaticano só se pode contar com rumores, não se pode ter certezas absolutas, mas também é impossível guardar um segredo e isso é bom para nós. Trata-se de um país sui generis, que tem os defeitos de todos os outros mais o facto de não ter contribuintes, pelo que necessita de se financiar de outra forma. O Vaticano possui edifícios em ruas importantes de grandes cidades, como Londres, Paris, Roma, Barcelona e Lisboa.
A realidade do Vaticano ultrapassa a ficção?
Às vezes parece ficção, de tão incrível que é.
Já teve algum feedback da Santa Sé?
O feedback é sempre indirecto desde que o Cardeal Tarcisio Bertone criticou o Dan Brown e fez dele um sucesso de vendas. Agora, recusam-se a comentar livros de ficção. Mas, um dia, uma jornalista da Rádio Vaticano pediu-me dois exemplares de O Último Papa para alguém próximo de Bento XVI que falava português e disse-me que era um livro que toda a gente lia no Vaticano, mas ninguém lia. Foi o único feedback que tive, mas há um departamento no Vaticano que lê tudo o que se escreve sobre a Igreja Católica, desde jornais a revistas, livros de ficção e não-ficção e artigos científicos em todas as línguas, o que é fabuloso. Vão ler este artigo, certamente.
O que significou O Último Papa ter sido best-seller do New York Times? Funciona como um cartão-de-visita internacional?
Sabia que, sendo editado pela Penguin, era uma probabilidade, mas nunca pensei nisso. Entrar num top destes, tão prestigiado, era impensável. Nas entrevistas nos Estados Unidos, antes do meu nome menciona-se ‘New York Times best-seller’ – é quase como ‘vencedor de um Óscar da Academia’ [risos]. Fiquei, isso sim, chocado por ter sido o primeiro português, tendo em conta o historial de grandes autores que temos.
Em todo o mundo, vendeu-se mais de meio milhão de exemplares só desse livro. Ganha-se muito dinheiro?
Não é o escritor que ganha o maior quinhão. Ganha-se até muito pouco por cada livro vendido. Vender meio milhão foi muito bom, mas a verba não foi nada por aí além.
As suas obras atingiram o topo das tabelas de vendas de países como o Reino Unido, o Brasil e a Polónia. Também vende bastante em Portugal, mas sente que é mais reconhecido no estrangeiro?
Não. Tenho o meu grupo de leitores fiéis em Portugal, que me acarinham muito. Cada vez mais sinto que estou a conquistar leitores e que há pessoas a querer ler-me, recomendadas por outras. No estrangeiro, penso que este ano chegámos aos 35 países com obras minhas editadas, da Ásia, à Europa, ao Brasil e Estados Unidos.
Como começou a editar no estrangeiro?
O primeiro livro que editei [Um País Encantado, em 2005] não tinha nada a ver com a série Vaticano e foi uma primeira experiência, para perceber como funciona o mercado. Vi que era apenas mais um autor a cair na pilha de manuscritos que um editor recebe. Há uma figura profissional no meio de tudo isto que é o agente literário, que nos vai dizer se temos qualidade e se o que escrevemos é passível de publicação. Escrevi 40 páginas de O Último Papa, mandei traduzir para espanhol e inglês e enviei para agentes literários. Uns responderam-me simpaticamente, dizendo que tinham o catálogo cheio, e outros mostraram-se interessados. Estávamos em 2005 e, como se aproximava a Feira do Livro do Frankfurt, combinei que o primeiro a vender-me ficava comigo. A minha agente actual vendeu o livro para 20 editoras, de Espanha, Portugal, Itália… O meu primeiro pensamento foi ‘então vou ter mesmo de escrever o livro’ [risos].
O que responde a quem o vê como uma fotocópia de Dan Brown e desvaloriza a sua obra por ser baseada em thrillers?
O thriller é o género que mais vende e não creio que possa ser considerado menor quando temos autores como o Sidney Sheldon ou o Daniel Silva, que são fabulosos. O Dan Brown escreveu um livro sobre o Vaticano, o Anjos e Demónios, e eu já vou no quinto. Às vezes há essa necessidade de comparação, mas a minha escrita é muito mais realista, enquanto o Dan Brown escreve por puzzles. Como diz o meu amigo Eric Frattini [autor do ensaio Os abutres do Vaticano, que previu a renúncia de Ratzinger], o Dan Brown é um excelente guia turístico [risos].
Talvez essa comparação tenha a ver com as temáticas religiosas.
Eu nunca escrevo sobre religião. Escrevo sobre temáticas políticas, dentro de um Estado chamado Vaticano que por acaso é onde se administra a Igreja Católica. Há uma frase paradigmática do Paul Marcinkus, que foi durante muitos anos director do Banco do Vaticano: ‘O Vaticano não se gere com Avé Marias’. Não vou estar sempre a desmentir e a dizer que escrevo thrillers políticos que se passam no Vaticano. É mais fácil de falar em religião e se calhar os editores também puxam para essa temática, mas é mentira.
Antes de escrever profissionalmente foi repórter de imagem, tradutor, guionista e até trabalhou na produtora que fazia as transmissões das missas para a TVI…
Sim, mas nunca falei com padres ou bispos! A escrita esteve sempre comigo, desde miúdo. Entretanto a vida impôs-se, mas nunca deixei de ter isso em pensamento.
Tem algum ritual para escrever?
Escrevo a pé, preciso de andar para pensar. Antes fazia-o no telemóvel, agora faço-o num tablet, em casa e fora de casa, no aeroporto, numa estação de comboios… Preciso de vida, movimento e ruído, por isso não escrevo à noite. Faço um horário de expediente, como o Hemingway fazia. A editora gostava que publicasse um livro por ano mas não sei se consigo, porque eles têm em média 70 capítulos e só lá para o 65 é que percebo o que se está a passar [risos]. Costumo dizer que as personagens têm a sua própria agenda e mentem-me. Ainda por cima, desde A Filha do Papa, os meus thrillers também são policiais, o que quer dizer que só sei quem é o vilão perto do fim. O leitor, presumo eu, vai ter a mesma experiência.
Não tem vontade de escrever para lá da temática do Vaticano?
Quero fazê-lo, talvez num romance histórico passado em Portugal. Nas minhas viagens, noto que ninguém sabe quem somos e fomos, e isso irrita-me. Já que conquistei estes mercados, seria interessante fazê-los ler algo sobre isso. Dado que o meu processo criativo é caótico, escrever um thriller torna-se muito cansativo, tenho de manter quase 500 páginas de tensão e nunca sei para onde vai a história. No Bala Santa há uma personagem que é morta por um tiro na cabeça e quando escrevi ‘pega numa arma e dá um tiro na cabeça’ fiquei em choque. Não escrevi durante uma semana, fiquei em luto. Mas adoro a parte da investigação e gostaria de fazer isso para um romance histórico.
É por isso é que está a tirar a sua primeira licenciatura, em História, na Universidade do Porto?
Sim, faço-o por gosto. Estou no segundo ano e não tenho tido tempo para ir às aulas, mas não quero passar por exame. Tenho todo o tempo do mundo.
Costuma dizer que não é religioso, mas que acredita numa entidade superior…
Não sou católico, porque não consigo, mas sou cristão. Ao escrever A Mentira Sagrada ainda mais me tornei, porque as investigações que estão a ser feitas em torno da vida e morte de Cristo e da sua época, em Jerusalém, virão a lume nos próximos anos, através de estudos fabulosos. Cada vez há mais cenários bíblicos a serem comprovados, não só do Novo mas também do Antigo Testamento. Como diz o Shimon Gibson, um dia vender-se-ão Bíblias com um selo a dizer ‘comprovado cientificamente’.