Um privilégio

Conheci Vasco Graça Moura há uns anos, em Bruxelas, num jantar com cerca de 30 pessoas. Anos antes tínhamos falado por escrito sobre Kavafis, um poeta que admirava, e de tangos. Conversámos na altura sobre tradução e no fim, quando me aproximei dele para me despedir, tropecei não sei como, quase lhe caía em cima,…

Santos

A santificação de João XXIII e João Paulo II foi um grande acontecimento. Apesar da polémica suscitada pelas prioridades do pontificado do Papa polaco e da ausência de milagres no caso do italiano, ninguém, católico ou não, pode negar a importância que ambos tiveram na Igreja e no mundo nas últimas décadas. A singularidade do acto foi sublinhada com a presença inédita na história da Igreja de dois Papas, o emérito Bento XVI e o Papa em exercício, Francisco, ambos herdeiros directos. Bento XVI foi o conselheiro principal de João Paulo para questões teológicas e Francisco um seguidor fiel das reformas do Concílio Vaticano II. Foi uma festa e um sinal forte de união no melhor que os santos homens deram ao mundo. O Papa Francisco exerceu o seu poder ao apressar a cerimónia para tornar possível a dupla consagração. A propósito, gostei do comentário do padre jesuíta Thomas Reese: “Se não for para quebrar algumas regras, para que serve ser Papa?”.

Cobardia homicida

Ainda estão por apurar os motivos que levaram o capitão do ferry sul-coreano Sewol, Lee Joon-seok, de 69 anos, a dizer aos passageiros que se mantivessem nos seus lugares enquanto a embarcação afundava. O capitão e 14 membros da sua tripulação terão sido dos primeiros a abandonar o barco e enfrentam agora várias acusações, entre as quais, homicídio por negligência. A bordo seguiam sobretudo estudantes de liceu e os números são aterradores: 187 pessoas morreram e 115 continuam desaparecidas. A consternação do capitão, que apresentou um pedido de desculpa às famílias pelo sucedido, não me comove. Há muita coisa errada num profissional que toma uma decisão tão nociva. Não se tratava de uma pessoa inexperiente nem de um amador. Uma pessoa com autoridade que diz a miúdos apavorados que devem esperar porque serão salvos, e que abandona o barco à sua sorte, está a cometer um acto de cobardia homicida. Será, espero, punido com a firmeza que merece.

Desumanizar

Cerca de 230 raparigas foram raptadas de um liceu na Nigéria por um grupo extremista islâmico que condena a educação e a democracia e força as mulheres à miséria e à escravatura. O grupo terrorista Boko Haram não reivindicou o rapto, mas o seu líder, Abubakar Shekau, afirmou que “a educação ocidental é um pecado”. Os raptos de raparigas têm sido frequentes nas escolas da região. O mais recente aconteceu enquanto as alunas faziam um teste de Física que lhes permitiria uma passagem para o ensino superior. Não é certo o número das que conseguiram fugir das carrinhas em que foram metidas à força, mas cerca de 200 continuam desaparecidas. As buscas têm sido dificultadas pela floresta densa e pela apatia das autoridades, pouco interessadas em resolver o caso. A brutalidade dos terroristas encontrou assim um aliado na indiferença dos militares. Nem uns nem os outros as consideram vítimas. Para isso era preciso perceberem que são seres humanos.

Um presente radioso

O escritor e jornalista Bryan Appleyard escreveu na revista New Statesman um artigo delicioso e sábio contra os futurologistas, que, para ele, estão sempre enganados. Depois de expor vários argumentos inteligentes contra neurocientistas e especialistas da era digital, explicou que as conferências TED Talks, entre outras fraudes do mesmo género, são comparáveis a concursos como o American Idol, bem como a outros ramos da futurologia, que têm em comum o anúncio de que o presente é pior do que o futuro. Pior, vêem o futuro como uma realidade melhorada de uma humanidade inalterada: somos os mesmos, mas com mais gadgets e tecnologia mais sofisticada. Appleyard termina o seu texto a citar Samuel Johnson, que afirmou que a nostalgia e a expectativa de um futuro melhor são ambas inerentes à nossa incapacidade de viver o presente com alegria. As lembranças floreadas do passado e a consolação de um futuro melhor são provas mesquinhas da nossa ingratidão.