Estava supostamente explicado o atraso que tanto intrigara a opinião pública, levando a interpretações diversas – embora mais ou menos convergentes – sobre os seus motivos mais profundos, para além do já habitual amadorismo governativo: a existência de fortes divergências entre os dois parceiros da coligação e entre o Executivo e a troika.
O facto, porém, é que nem Maria Luís nem o seu colega Mota Soares conseguiram desfazer as desconfianças relacionadas com um novo conflito entre Passos e Portas (e Pires de Lima) ou as últimas pressões 'austeritárias' da troika antes da saída do programa de resgate e da próxima escolha entre uma solução 'limpa' ou 'cautelar'.
O laborioso exercício 'técnico' para disfarçar visões políticas divergentes soou efectivamente a falso, apesar dos esforços dos ministros presentes na conferência de imprensa – e, em particular, do empenho argumentativo de Maria Luís Albuquerque.
Os sinais dados aos funcionários públicos e aos pensionistas sobre uma reposição gradual do que tinham perdido nos três últimos anos de sacrifícios não ultrapassaram um efeito de curto prazo. Em resumo: após 2015 logo se vê… Ora, isso alimentou uma suspeita de truque eleitoralista e reeditou, em tom menor, o que Cavaco e Sócrates haviam feito nos respectivos governos para conquistar o voto decisivo dos trabalhadores e quadros do Estado.
Finalmente, esses sinais não resistiram à contradição com as expectativas cultivadas pelo Governo sobre uma diminuição da carga fiscal (o IVA e a TSU foram mesmo agravados, ainda que numa percentagem moderada, para sustentar os novos gastos na Segurança Social). O CDS e sectores do PSD mais temerosos dos próximos resultados eleitorais, já este ano mas sobretudo em 2015, terão feito valer uma das suas reivindicações simbólicas no plano dos salários e pensões mas, conforme se depreende, acabaram por ceder na redução dos impostos: a descida do IRS, uma das bandeiras agitadas pelo ministro da Economia, não se concretizou. O gato escondido do DEO tem o rabo à vista – no Governo e fora dele.
Embora maquilhada nos discursos oficiais, a discórdia nas hostes governativas reaproximou-se perigosamente do ponto crítico que levara à demissão “irrevogável” de Paulo Portas. Sinal incontroverso desse mal-estar, o quase sempre cauteloso Passos Coelho não conteve recentemente um remoque indirecto a Portas por causa dos submarinos. E numa reedição do divórcio de há um ano, oportunamente evitado com a promoção do líder do CDS a vice-primeiro-ministro, é também a relação com a troika que volta à ribalta.
Apesar do casamento de interesses da Aliança Portugal, não é possível disfarçar as velhas/novas razões de desentendimento entre o seguidor fiel da ortodoxia troikista (Passos) e o seu parceiro supostamente inconformado com essa submissão (Portas). Só mesmo a perspectiva do fim próximo do programa de assistência e o período pré-eleitoral das europeias impedirão uma segunda ruptura entre os dois cônjuges.
Entretanto, o novo desconcerto português é amplificado pela sombria atmosfera de desorientação e desencanto que se vive na Europa nestas vésperas eleitorais, com o crescimento generalizado do eurocepticismo e a ascensão das forças populistas e da extrema-direita que ameaçam triunfar sobre os partidos tradicionais em países como a França, o Reino Unido ou a Holanda.
Neste ambiente de cerco, os artífices das políticas de austeridade impostas aos países do Sul insistem em não reconhecer, contra todas as evidências, o seu clamoroso fracasso, fabricando 'casos de sucesso' exemplares não só em Portugal como na própria Grécia. É uma deriva onde vale tudo, incluindo um remake da maquilhagem das contas públicas que Atenas outrora praticou com a colaboração prestimosa do Goldman Sachs. Mas, para tentarem salvar a face, esses artífices teimam em manter a 'austeritária' ortodoxia troikista que colocou os países periféricos e o próprio euro à beira do abismo.