"A quebra de natalidade não tem que ver com o desejo de não se ter filhos, mas com a impossibilidade de os ter", considerou Graciete Borges, investigadora na Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra, referindo que "há uma série de obstáculos para a parentalidade", entre os quais "a não conciliação da vida profissional com a familiar e a falta de rendimentos suficientes para serem pais".
Num estudo realizado pela investigadora, esta demonstra que 85,8% dos jovens adultos entrevistados (entre os 17 e os 37 anos) expressa o desejo de vir a ser pai ou mãe num futuro próximo, sendo o papel social futuro mais valorizado o da parentalidade (55%), acima dos 38% para a conjugalidade e 33% para o papel profissional.
"A natalidade tem vindo a descer acentuadamente e mostra que este rumo tem muito a ver com as condições de vida das pessoas", assim como com a saída de "muita gente do país em idade fértil", alertou.
Em Portugal, "quem tem filhos é muito penalizado. Entende-se que ser pai ou ser mãe é um problema pessoal e que não tem que ver com a sociedade", criticou.
Segundo Graciete Borges, "as políticas não atendem, muitas vezes, ao papel essencial da natalidade para a sustentabilidade do país", sendo esta "essencial para se manter a sociedade a funcionar de forma equilibrada".
O direito do trabalho "não pensa nos pais", frisou.
A quebra da fecundidade é "um sinal dado há muito tempo", sendo necessário "inverter o modelo de desenvolvimento sócio-económico", defendeu Sílvia Portugal, socióloga e investigadora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
"A incerteza é a palavra que os jovens mais escolhem quando falam do seu futuro", apontou, salientando que "a incerteza é muito má para a fecundidade".
De acordo com a socióloga, as pessoas "não podem planear o futuro. E ter filhos implica planear o futuro".
"O que é dramático é que as pessoas querem realmente ter filhos", mas "as condições económicas não o permitem", observou.
Sílvia Portugal considerou que a "família não está em crise" e é esta que serve de "almofada de protecção social com que as pessoas contam, porque com o Estado podem contar cada vez menos".
Mas, "se por um lado a crise fortalece laços na família, porque é a única coisa que resta, por outro, a crise também está a debilitar as solidariedades familiares, porque retira recursos económicos às famílias".
Para a socióloga, a crise põe também em causa "os ganhos da autonomia individual face à família", em que "as pessoas têm vontade de terminar relações mas não o fazem porque não têm condições para o fazer e os jovens têm cada vez mais dificuldade em serem autónomos e saírem da casa dos pais".
As duas investigadoras vão estar presentes no seminário "A família e o trabalho em tempos de crise", promovido pela União Geral de Trabalhadores (UGT), que se realiza na tarde de quarta-feira no auditório da Faculdade de Psicologia da Universidade de Coimbra e que conta com a participação do secretário-geral da UGT, Carlos Silva.
Lusa/SOL