Para além do Reino Unido, com uma antiga tradição isolacionista, em França, Holanda, Dinamarca, Itália, Áustria ou Hungria – cujo Governo tem, aliás, uma forte componente de extrema-direita – os previsíveis vencedores das eleições destacam-se precisamente pela virulência da sua rejeição do euro e da Europa.
Mas mesmo onde não há partidos que representem essa tendência, como é o caso da nossa vizinha Espanha, apenas 23 por cento dos eleitores manifestam confiança na Comissão Europeia e no Parlamento Europeu (PE) e só 18 por cento dizem acreditar que a sua voz conta no seio da UE. Ora, apesar de tudo isso, uma maioria significativa de espanhóis, 65 por cento, continuam a acreditar que a integração na UE foi positiva para o país.
Não é a pertença à Europa que os espanhóis põem em causa, mas o não se sentirem representados nas instituições europeias, nessa abstracção em que a Europa se tornou. É um sentimento idêntico que partilhamos em Portugal, ao qual não será estranho o facto de, tal como Espanha, termos vivido durante longas décadas em ditadura.
A extrema-direita desapareceu praticamente da paisagem espanhola e portuguesa. Não por acaso, a única força com expressão política em Portugal que tem a posição mais hostil ao euro e à União Europeia é o Partido Comunista.
Apesar das críticas acerbas e pertinentes ao funcionamento actual das instituições europeias, ao Tratado Orçamental e à política de austeridade da troika, a chamada esquerda radical – essencialmente o Bloco e o partido Livre – rejeita o divórcio puro e simples com a Europa. Mas paira a neblina sobre as suas opções concretas para levar a cabo um projecto europeu mais próximo dos cidadãos.
Por outro lado, a dispersão dessa esquerda em várias correntes retira-lhe a necessária força de coesão. Que efectivas diferenças políticas existem, no fundo, entre o Bloco e o Livre, partido reduzido ao protagonismo talentoso mas solitário do eurodeputado Rui Tavares?
Curiosamente, outro caso de protagonismo solitário, o de Marinho Pinto, usando a barriga de aluguer do Partido da Terra, reduz-se a um populismo folclórico que não dispensa sequer a defesa dos direitos dos motociclistas como bandeira eleitoral…Tavares e Marinho até poderão ser eleitos, mas que contará isso na leitura decisiva do resultado final?
O que aqui escrevi nas vésperas das anteriores eleições europeias poderia reproduzi-lo hoje quase na íntegra. Mas os aspectos fundamentais da crise europeia não cessaram de agravar-se nos últimos quatro anos. Foi-se dilatando cada vez mais o tempo na concretização das medidas indispensáveis para ultrapassar o bloqueio político, institucional, financeiro, orçamental ou bancário que, apesar das duras lições entretanto aprendidas (?) e das propostas apresentadas pelos parlamentares europeus, ainda persiste com uma lassidão assustadora. Aliás, se não fossem o BCE e Mario Draghi o colapso do euro já se teria provavelmente consumado.
A única novidade simbólica nestas eleições é a apresentação de candidatos legitimados pelo voto popular à presidência da Comissão Europeia. Mas resta saber até que ponto as potências hegemónicas, basicamente a Alemanha, aceitarão abdicar das suas prerrogativas intergovernamentais a favor de uma Comissão que responda, de facto, perante a soberania política do PE. Nenhumas garantias existem ainda nesse sentido.
Perante o défice de debate europeu, resta aos povos da UE apoiar ou castigar os governos nacionais pelas políticas conduzidas em função dos condicionalismos externos. Ora, em Portugal, e por maiores que sejam as minhas reservas, não vejo como escapar ao voto útil, o único que (ainda) existe contra um Governo rastejante perante a troika e a boçal demagogia eleiçoeira dos seus candidatos ao PE (que vergonha, Paulo Rangel!). Devem ser exemplarmente punidos e, tão cedo quanto possível, afastados de cena.
Não esqueço as passadas responsabilidades socialistas no estado a que chegámos, as suas ambiguidades ou expedientes eleitoralistas, ou até algumas tristes figuras de cartaz convocadas para esta campanha. Mas só mesmo o voto útil no PS pode fazer a diferença e servir para virar a página.
[Este artigo de opinião foi originalmente publicado na edição impressa do SOL de 23 de Maio, antes das eleições europeias]