A renúncia de Juan Carlos

Já estava há muito prevista, mas a verdade é que apanhou agora toda a gente de surpresa. A ideia do próprio foi deixar explícito que nada foi repentino, e sem ser pensado. Teria sido decidido a 5 de Janeiro passado, dia dos anos (fez 76) de D. Juan Carlos.

Pensava-se que ele iria esperar pelo desfecho do caso judicial do seu genro, para que o sucessor não iniciasse funções com esse lastro. Mas agora, que se considera demasiado provável a acusação pública não só do duque de palma, mas da própria Infanta Cristina (e será nas próximas semanas), há quem pense que o melhor é o Rei não estar em funções na altura – até pelos seus antecedentes pessoais em casos de finanças e com empresários condenados (desde Cólon y Carvajal a Manuel Conde, passando por Javier de la Rosa). Como o filho, príncipe Felipe, não está metido em nada disso, nem sequer tem grandes relações com o cunhado Palma, pode aguentar melhor o embate.

Dantes, o Rei podia fazer o que quisesse (nunca se queimou com as ligações a Cólon, Conde ou de la Rosa), enriquecer com calma (era o único Chefe de Estado Europeu que podia legalmente receber e guardar todos os presentes, sem sequer ter de os dar a conhecer), ter namoradas ou amantes (nunca foi segredo), caçar á vontade (era até um orgulho nacional a sua desenvoltura na caça e na vela), que ninguém se importava. Mesmo o episódio da morte do irmão mais velho, Alfonso, no Estoril, às suas mãos, num alegado acidente com arma – só agora voltou à ribalta, não apenas por um neto ter disparado acidentalmente um tiro no pé, mas porque perdeu o seu estado de graça.

As impopulares aventuras financeiras do genro Palma coincidiram com a fotografia em que aparecia ao lado de uma amante demasiado ostensiva e junto a um elefante abatido, enquanto o povo espanhol era sugado pela austeridade. Num acto inédito, pediu desculpas públicas. A Rainha (um livro diz que se separaram de camas em 1976), só lhe fez uma visita breve no Hospital, quando foi pôr uma complicada prótese (que o levou a um calvário de sucessivas operações, por causa de infecções, e ao seu envelhecimento precoce).

As sondagens começaram a dar conta de que a Família Real se tornara impopular. Tanto, que um organismo oficial encarregado de estudos de opinião, passou a omitir com frequência o Rei.

Entretanto, o país bloqueou todo: os partidos do sistema, foram varridos nas últimas europeias; e a Catalunha entrou num processo descontrolado de independência (apesar de governada pelos moderados nacionalistas catalães), perante posições inflexíveis do chefe do Governo, Rajoy.

Estou convencido de que as manifestações republicanas a pedirem um referendo sobre a Monarquia não terão grande futuro. Porque os grandes partidos do Arco Governativo, PP e PSOE, não sendo monárquicos, são juancarlistas, e entendem que a Coroa ainda é importante para manter a unidade de Espanha, e arranjar talvez uma saída para o imbróglio da Catalunha.

O Príncipe Filipe não tem seguramente o carisma do Pai. Mas talvez tenha passado a época dos carismas, e se espere que a sua excelente preparação (com cursos vários e intensa actividade de representação nacional) leve a um refrescamento, se não da Monarquia, pelo menos da situação em Espanha. Talvez uma Revisão Constitucional, que renove a sucessão (só em Espanha as mulheres são preteridas, sendo Felipe o mais novo dos 3 irmãos), também resolva o problema da Catalunha (e das suas ânsias de singularidade e moderação fiscal).

Para Portugal, Felipe, que cá vem com frequência, e aqui tem amigos, poderá não ser como o pai – que ainda falava português (já com muito sotaque), e fez que sucedessem amigos portugueses para o filho –, mas será ainda assim um próximo.

Enfim, ninguém augura a eternidade da Monarquia espanhola, talvez não sobreviva decénios, mas não creio que caia agora. Até Letízia, tão detestada por monárquicos, faz agora jeito junto do que resta das classes médias baixas.