"Já recebíamos pessoas aqui, mas não adiantava abrir um estabelecimento sem nenhum recurso. Antes, para conseguir internet tinha que puxar de um vizinho, porque só um ou dois tinham em toda a comunidade", contou à Lusa Cristiane de Oliveira, proprietária do 'hostel' "Favela Inn", na comunidade do Chapéu Mangueira, no Leme, zona sul do Rio de Janeiro.
A ideia para o empreendimento surgiu de um francês, que actuava como agente de turismo e já realizava viagens de "incursão" nas favelas, mesmo antes da pacificação. Percebendo o novo "campo" surgido com a melhoria da segurança, o agente mostrou a oportunidade a Cristiane e seu marido, Wagner Machado, que trabalhava então numa barraca de bebidas na praia de Copacabana.
Felizes com o retorno financeiro, mas sobretudo como o novo mundo que se abriu diante deles, Cristiane e Wagner contam que aprendem muito com os seus hóspedes, vindos de vários cantos do mundo, e melhoram o local e os serviços a partir das sugestões deixadas por eles.
"No início, pensamos que era só arrumar a cama e fazer o café da manhã, mas as coisas foram acontecendo e isso abriu a nossa mente ", afirma Wagner, salientando que os cursos de empreendedorismo oferecidos pelo governo ajudaram a legalizar o espaço.
As melhorias envolvem desde a finalização do edifício – inicialmente apenas em tijolo, sem acabamentos – até aprendizagem sobre sustentabilidade com o uso de materiais recicláveis e reaproveitáveis em detalhes da decoração.
Com os quartos lotados, Cristiane conta que nem todos estão apenas para o Mundial, mas a maior parte dos visitantes organizou-se para "estar no Brasil neste momento", mesmo que não tenham planos de ir assistir aos jogos no estádio.
"Se o Brasil ganhar, volto para a Argentina no dia seguinte", brinca o argentino Daniel Zelada, de 27 anos.
Entre Copacabana e Ipanema, dois dos bairros mais nobres da cidade, o morro Pavão-Pavãozinho mostra outro lado da moeda, onde a pacificação melhorou não apenas os empreendimentos dos próprios moradores, como passou a atrair investidores de fora da comunidade, que até então nunca haviam tido contacto com favela.
"Sempre morei por perto, na Lagoa [região nobre do Rio de Janeiro] e aqui [a favela] sempre foi uma fronteira para mim, quando passava, mesmo só lá de baixo, olhava para cá como um território proibido", admitiu Dalton Ottati, um dos quatro sócios do albergue "Pura Vida", também inaugurado em 2010, após a pacificação da região.
A oportunidade apareceu quando a sede do albergue – um casarão originalmente construído em 1926, que chegou a ser sede da embaixada polonesa, quando o Rio de Janeiro era capital do Brasil – foi colocado à venda.
"Um dos herdeiros era tio de um dos meus sócios e nós soubemos e resolvemos comprar e investir" conta Dalton, lembrando que a casa foi uma das primeiras construídas da rua, que só mais tarde começou a sofrer com ocupações irregulares e depreciação por conta da chegada do tráfico nos anos 1960-1970.
"Estou aqui há dois dias, para conhecer melhor a região e buscar um apartamento, sinto-me segura, não tive nenhum problema", afirmou a hóspede norte-americana Stevie Harrison, de 20 anos.
Aberto em Fevereiro de 2010, o 'hostel' já realizou obras de expansão e oferece, além dos quartos colectivos, quartos privados, com banheiro e ar refrigerado, e espera, para o Mundial, uma ocupação acima de 90 por cento.
Lusa/SOL