Uma informação que, além de ser um tratado de revisão das percepções sociológicas instaladas, merece um comentário político-cultural explicativo alargado. Vou tentá-lo:
A França é uma terra escolhida e prometida de pioneirismo e vanguardismo políticos: foi o país da primeira grande revolução democrática da Europa moderna (a Revolução Inglesa foi uma revolução-restauração oligárquica e a Revolução Americana uma guerra de independência); foi, também, a terra da contra-revolução e, sobretudo, da teorização contra-revolucionária; e, com Napoleão, ressuscitou o cesarismo moderno. No século XIX foi a pátria dos grandes profetas do socialismo utópico e das suas experiências fracassadas – a Comuna em 1870-71. E o lugar das teorias protofascistas que, no final do século XIX, ensaiaram a aliança entre o nacionalismo e o socialismo.
Nela nasceu o nacionalismo conservador de Charles Maurras e, depois, o romantismo fascista dos Brasillach e dos Drieu. E no mesmo século XX os grandes escritores de esquerda, da Resistência, e Sartre, no pós-guerra.
Tudo isto não obstou o ‘mal francês’ na dificuldade do país se adaptar à progressiva secundarização internacional de 1870-71 em diante.
No quadro dessa relativa decadência, a Frente Nacional (FN) traz a reivindicação da importância da nação perante o europeísmo economicista e mercantilista de Bruxelas e o humanitarismo utópico e globalizante. Enquanto a direita do regime, por influência dos gaullistas, manteve a nação e a preferência nacional, a FN ficou-se nos limites das direitas reaccionárias e revolucionárias europeias que, em França, tinham a ver, sobretudo, com a Argélia francesa e a memória do Império. E colhiam um modesto apoio eleitoral.
A partir do momento em que a direita convencional adoptou os projectos europeístas e as doutrinas liberais, importadas dos anglo-saxónicos e por que a esquerda comunista não foi capaz de adoptar, mesmo por táctica, como a portuguesa, uma linha patriótica, a FN foi crescendo: em 2001, Jean-Marie Le Pen, com 16,9%, foi à segunda volta das presidenciais contra Chirac. Daí para a frente a FN tem vindo sempre a crescer, desde que Marine Le Pen acrescentou ao núcleo ideológico fundacional tradicionalista e revolucionário, o apelo ao elemento nacional e popular dos que aliam a desconfiança em relação a Bruxelas, à hostilidade aberta a uma classe política considerada ‘elitista’, desligada dos sentimentos e preocupações dos pequenos e médios franceses.
A ‘diabolização’ pré-eleitoral não teve, assim, efeitos significativos sobre o voto popular. Será um terramoto? Com certeza. Veremos o que fica em pé.