“O princípio da salsicha: se gostas muito de alguma coisa, é melhor nunca descobrires como é que foi feita. Esta noite, gostaria de vos mostrar a minha salsicha. O Mundial arranca esta semana e estou igualmente excitado e perturbado”.
Assim arranca a crónica de John Oliver, o apresentador britânico do talk-show Last Week Tonight (HBO), num vídeo que se tornou viral por apontar alguns dos aspectos mais problemáticos do torneio, e sobretudo dos seus organizadores.
“O Mundial é uma das minhas coisas favoritas. Mas é organizado por estes tipos da FIFA”, explica Oliver, que se refere à federação internacional de futebol como “uma organização comicamente grotesca”.
“Mostrar como funciona a FIFA é a mesma coisa que mostrar o 2girls1cup”, diz Oliver, um dos antigos apresentadores do Daily Show de Jon Stewart, referindo-se a um famoso vídeo pornográfico que costuma ser partilhado nas redes sociais para chocar os destinatários (se não o conhece, não se atreva a googlá-lo).
Para explicar o que está em causa e porque é que inúmeros brasileiros estão contra a organização do torneio, John Oliver aponta o caso do estádio de Manaus. É uma infraestrutura cara, construída a partir de módulos importados de Portugal, que “será apenas utilizada para quatro jogos do Mundial”, já que a cidade capital da Amazónia não conta com nenhum clube de futebol de primeira linha. “Depois do Mundial, será a casa-de-banho de pássaros mais cara do mundo!”, critica o apresentador.
Recorrendo a um excerto da CNN, Oliver aponta que os brasileiros obterão um reduzido retorno do investimento no Mundial, já que “a FIFA é que faz dinheiro” com a organização do evento. Isto porque a FIFA e as suas subsidiárias estarão isentas do pagamento de qualquer imposto. Só aqui o Brasil poderá perder 250 milhões de dólares em receita fiscal.
Oliver aponta ainda o facto da FIFA exigir aos países organizadores que alterem leis para beneficiar os patrocinadores dos eventos, dando como exemplo o recuo do Brasil na proibição do consumo de bebidas alcoólicas nos estádios. “O Brasil tem sorte do Mundial não ser patrocinado por cocaína e serras eléctricas”, ironizou o apresentador. Já na África do Sul, em 2010, a FIFA forçou a instauração de tribunais especiais com julgamentos sumários e sentenças pesadas para carteiristas, numa situação de duvidosa legalidade e ética.
Caracterizando a FIFA como uma organização “maléfica ao estilo dos desenhos animados”, Oliver exibe um excerto de uma entrevista do dirigente máximo Sepp Blatter à Al Jazeera para exemplificar a incongruência do discurso da federação internacional de futebol:
Blatter: “Somos uma organização sem fins lucrativos”
Jornalista: “Mas com mil milhões de dólares no banco”
Blatter: “Isso é o nosso fundo de maneio”
“Quando tens um fundo de maneio tão grande, é melhor ver se o Tio Patinhas não anda a nadar lá no meio. Já não és uma organização sem fins lucrativos!”, comenta Oliver.
Blatter é ainda criticado pelo britânico por ter sugerido que, para tornar o futebol feminino mais interessante, “as jogadoras deviam usar calções mais curtos”.
Mas é a escolha do Qatar para organizar o Mundial de 2020 que verdadeiramente escandaliza Oliver – um território onde as temperaturas podem chegar aos 50 graus. “Há alegações de alguns responsáveis da FIFA terão sido subornados para escolher o Qatar, e eu espero bem que isso seja verdade, porque de outro modo não faria qualquer sentido”, diz o apresentador. Não só devido ao clima, como às condições de trabalho dos operários que constroem os estádios. Num excerto de uma reportagem exibida por Oliver, o Qatar é descrito como “um estado esclavagista em pleno século XXI”, com operários com documentos apreendidos e sem permissão para abandonar o país e um elevado índice de acidentes de trabalho fatais. “Será o projecto de construção no Médio Oriente mais mortal desde as pirâmides”, afirma o britânico.
O apresentador termina com uma comparação: a FIFA é como a igreja numa religião organizada, pois “obriga países sul-americanos a construir catedrais opulentas” e “é responsável pela morte de milhares de pessoas no Médio Oriente”.
“Mas, e para milhões de pessoas como eu, também é a guardiã da única coisa que confere algum sentido às suas vidas”. O futebol, pois claro.