Viva el Rey!

A abdicação do Rei Juan Carlos já era esperada, não apenas por causa do seu estado de saúde, que tornava cada compromisso público uma verdadeira tortura física, mas também por circunstâncias pessoais.

A famosa história da caça ao elefante despertou o amor pelos animais num país de corridas de touros. As indiscrições extraconjugais ofendiam uma opinião pública, que via a Rainha Sofia como uma santa.

O escândalo financeiro da infanta Cristina e do marido Urdangarín manchava um reinado feito com responsabilidade e honestidade e a popularidade do herdeiro começava a fazer sombra a um Rei cada vez mais impopular. Foi uma decisão sensata, digna de um bom Rei. Apesar das más línguas, Juan Carlos faz parte da história democrática espanhola, contrariando os maus augúrios aquando da sua entronização. Por mim, que gostei dele, guardarei a lembrança de ter dito o que muitos não se atreveram a dizer ao insuportável Hugo Chávez: ‘¿Porqué no te callas?’. Memorável.

Contra a modéstia

O relato de Dawn Reiss na Atlantic sobre um encontro com a escritora Maya Angelou devia ser lido por todas as mulheres que vêem virtudes na modéstia. A questão foi assim descrita pela grande Maya Angelou: «A modéstia é uma adaptação que se aprende, como um decalque. Mal a vida atira a pessoa modesta contra a parede, a modéstia cai mais depressa do que o fio dental de uma stripper». É desagradável reconhecer como virtude uma capa frágil que esconde toda a espécie de vícios. Maya Angelou fez a distinção que interessava entre ser humilde e ser modesto. «A humildade vem de dentro». É a nossa maneira de reconhecer que «houve quem viesse antes de nós que pagou para estarmos aqui e nós estamos aqui porque temos algo a fazer e de pagar por quem ainda não chegou». Extraordinário desassombro! Antes desta conversa ter lugar, Maya Angelou enviou a Dawn Reiss uma lista sobre o que podia ou não fazer no encontro. Era humilde, mas não era modesta, graças a Deus.

Preconceitos

O resgate do sargento Bowe Bergdahl em troca de cinco líderes talibãs presos em Guantánamo é o mais parecido com a série Homeland e o inesquecível Nicholas Brody a que já assistimos. Não sei quem disse que a realidade imita a ficção, mas disse muito bem. Porém, o antecedente ficcional não ajuda Bergdahl. Para começar, o seu desaparecimento não é claro. Há quem diga que desertou. Outros dizem que foi sequestrado. Comentam que quase esqueceu a sua língua materna, mas que fala afegão e um dialecto da região. Isto não me perturba. Conheço pessoas que falam com sotaque ou salpicam as conversas com termos aprendidos em quinze dias de férias no estrangeiro. O problema de Bergdhal não é esse. O mais difícil vai ser lutar contra os preconceitos criados pela série. Espero que alguém lhe explique ou que o obriguem a ver as temporadas de Homeland para não cometer os mesmos erros de Brody. Ou para processar a produtora Showtime por lhe estragar os planos.

Fazer a cama

Se esquecermos por instantes a conotação negativa da expressão ‘fazer a cama’, vamos perceber que se trata de um hábito recomendável. No Lifehacker, um site de tecnologia fundado em 2005 por Gina Trapani, está uma chamada de atenção que nos pareceria atípica, tendo em conta o teor do site, para um discurso do almirante William McRaven na Universidade do Texas, onde o próprio fala do seu treino básico nos Navy Seals. A primeira coisa que ali se aprende é a fazer perfeitamente a cama. Homens e mulheres no exército (e em colégios religiosos) aprendem os benefícios de uma rotina simples, que parece insignificante, mas que pode chegar a ser a única tarefa bem feita do dia. A expectativa do almirante é a de que a seguir aos lençóis bem esticados venham mais tarefas tão bem cumpridas como a primeira, das mais simples às mais complexas. E se tudo correr mal «ao menos podemos voltar para uma cama bem feita», diz com graça. E com toda a razão do mundo.

A verdadeira razão

Timothy Bond é um realizador de televisão canadiano com uma obra extensa e que, pelo que vi no IMDB, desconheço por completo. Falo do seu nome porque escreveu um artigo certeiro no The Globe and Mail sobre a verdadeira razão por que os franceses não engordam. As temporadas que passa em França no vale do Loire ajudaram a perceber este mistério. Segundo nos conta, os franceses vivem a comida como os canadianos nunca pensam nela, a não ser como uma necessidade a satisfazer. Um morango em França tem sabor a morango. No Canadá sabe a petróleo. As porções também influenciam a elegância francesa. São mais pequenas, também mais saborosas e por isso de igual modo suficientes. É tudo tão bom que não engorda. Simpatizo com a teoria. Em Portugal, ainda não estamos mcdonaldizados, mas temos mais problemas de obesidade do que seria de esperar. E, no entanto, os pêssegos sabem a pêssego e a comida tradicional portuguesa é maravilhosa. Até os franceses gostam.